SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A coautoria de artigos prontos para pontuar na residência médica está sendo comercializada por meio de redes sociais a R$ 100, parcelados em até dez vezes.
Em um desses anúncios, uma suposta empresa chamada PublicaInovaMed oferece artigos complexos indexados. São 12 “vagas” nas áreas de medicina preventiva, pediatria e infectologia, e 11 na geriatria.
Programas de residência médica, além da prova, têm uma etapa que inclui entrevista e apresentação de currículo, na qual se leva em conta artigos científicos publicados.
Na sexta (18), a AMB (Associação Médica Brasileira) publicou uma nota alertando a comunidade médica e acadêmica sobre os riscos e implicações legais relacionados à contratação de serviços de terceiros para a elaboração de artigos científicos, apresentações em congressos e outras produções científicas.
Segundo a AMB, a prática pode configurar crime de falsa identidade, conforme previsto no artigo 307 do Código Penal Brasileiro. “Esta prática não só compromete a ética, mas também coloca em risco a carreira profissional de quem dela se beneficia. Tal prática deve ser combatida e amplamente denunciada”, diz.
Esta prática não só compromete a ética, mas também coloca em risco a carreira profissional de quem dela se beneficia. Tal prática deve ser combatida e amplamente denunciada
em nota
De acordo com entidade, a produção científica é um componente fundamental do desenvolvimento profissional e acadêmico, e é crucial que os trabalhos sejam resultados de estudo, esforço e mérito próprios, assegurando a integridade e a credibilidade das contribuições científicas.
Além das possíveis consequências criminais, diz a AMB, recorrer a esses serviços fere princípios éticos e de honestidade que devem guiar a atuação médica e científica. “A autenticidade é um valor essencial que sustenta a confiança em nossa profissão e contribui para o avanço da medicina.”
A reportagem entrou em contato com a PublicaInovamed por meio de um número de celular, com DDD de Goiás, que consta no anúncio. Um homem atendeu a ligação, identificou-se como Luis e disse ser o autor dos estudos cujas coautorias estavam sendo comercializadas. Ele não quis informar o sobrenome.
Ao saber que a prática poderia se configurar um crime, afirmou que não sabia que a venda de coautoria de estudo científico era proibida. Disse ainda que desenvolveria o dinheiro das vagas já vendidas. Ele não quis revelar quantas foram, mas afirmou que cobrou cerca de R$ 100 por cada uma nas áreas que constam no anúncio.
Luis disse que é estudante de medicina e que a ideia da venda de coautoria surgiu de uma experiência pessoal. Como precisava publicar artigos para concorrer a uma vaga de residência médica, procurou algumas revistas científicas e soube que demorava até um ano para a publicação.
“Eu achei umas revistas bem predatórias, cobravam muito e eu não tinha dinheiro para pagar todas as publicações que eram para mim. Então pensei que se vendesse um pouco das vagas de algo que eu mesmo fiz, teria dinheiro para pagar”, afirmou.
Luis disse que produziu cinco artigos científicos no último mês, mas nenhum foi publicado. “São todos originais, não peguei de ninguém. Levantei dados públicos e usei estatísticas”, relatou.
Para Cesar Fernandes, presidente da AMB, a prática é absurda. “É desonroso para nós médicos que uma coisa dessa possa despertar o interesse de um jovem médico ou de um estudante de medicina. Isso é vergonhoso e criminoso”, afirma.
Segundo ele, a publicação de artigos científicos não é um fato decisório para o ingresso na residência médica. “Claro que o currículo como um todo vale, ele é analisado durante as entrevistas, mas não é decisivo.”
Outros itens, segundo ele, são mais valorizados, como a história da pessoa, a sua visão de mundo, a visão da medicina e, em particular, a visão da residência que vai fazer. “Isso, no contexto geral, tem um valor muito maior do que ter ou não ter uma publicação.”
Fernandes diz que o anúncio foi encaminhado para o departamento jurídico da AMB para avaliar a possibilidade de ingresso de uma ação judicial.
“Estou torcendo muito para que o jovem médico não se entusiasme com algo tão vergonhoso como essa proposta de participar de um artigo sem que ele tivesse qualquer participação de mérito que justificasse a sua coautora.”
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress