RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Uma mulher com traços asiáticos aguarda a chegada de um pequeno barco que sai do mar na praia de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro. Logo ela é avistada por um dos pescadores que estão na embarcação.
Antes de colocar os pés na areia, o homem avisa, aos gritos e com uma dose de exagero, a variedade de peixes que conseguiu capturar: “Tenho robalo aqui, tenho robalo aqui. Tenho bagre aqui, senhora. Tenho tudo aqui, senhora”.
A cena, registrada em uma manhã cinzenta, ilustra parte da rotina na colônia de pescadores Z-13, cujas instalações ficam ao lado do Forte de Copacabana.
É ali, na areia de uma das praias mais famosas do mundo, que os trabalhadores ligados à associação deixam seus pequenos barcos carregados com redes e outros equipamentos.
Em seguida, eles partem para a venda dos peixes em uma tenda com 20 boxes poucos metros à frente, colada ao calçadão do bairro. Os pescadores também fazem entregas para restaurantes e outros clientes da região.
A Z-13 completou cem anos em junho, mas quem vive da pesca artesanal vê desafios para a manutenção da atividade no futuro, incluindo a necessidade de renovar a mão de obra com a atração de jovens.
“É um dos maiores desafios. Não existe colônia sem pescador. Sem renovar a parte humana, acaba desaparecendo”, afirma José Manoel Pereira Rebouças, 64, presidente da Z-13.
Nascido no Ceará, Rebouças pesca desde a adolescência, frequenta a colônia de Copacabana há três décadas e tem dois filhos que seguiram seus passos. A dupla também exerce a profissão na Z-13.
Para manter a associação viva após o centenário e elevar a renda dos trabalhadores, Rebouças defende a ampliação das atividades desenvolvidas no local, de onde é possível enxergar a silhueta do Pão de Açúcar, outro ponto turístico carioca.
Recentemente, a colônia recebeu um curso de formação de jovens pescadores. Segundo o presidente, a ideia é realizar novas atividades do tipo. Para isso, a Z-13 estuda parcerias com empresas, organizações e setor público.
Outro plano, diz Rebouças, é apostar em iniciativas que incentivem a produção de artesanato e até a gastronomia na colônia. “E se o cliente comprar o peixe aqui e quiser comer logo em seguida, enquanto olha para o Pão de Açúcar? Tem também a questão do artesanato. Hoje temos de entrar nessa agenda”, afirma.
Rebouças não conseguiu parar por muitos minutos na manhã em que conversou com a Folha. Caminhou de um lado para outro, ajudou pescadores que chegavam do mar e fez as vezes de recepcionista, acolhendo uma turma de crianças e professoras em visita à Z-13.
Do grupo de pequenos alunos, ouviu perguntas do tipo: “Os peixes dormem? Vivem fora da água? Sereias existem?”. Rebouças respondeu aos questionamentos com bom humor e fez um discurso em defesa da conservação do ambiente para as crianças.
Segundo ele, a Z-13 conta hoje com 20 barcos, que abrigam de 40 a 50 pescadores, vindos de comunidades como Pavão-Pavãozinho, Rocinha e Vidigal. O número de trabalhadores, porém, já superou cem pessoas, diz o presidente.
NÃO TEM PESCADOR RICO, AFIRMA TRABALHADOR
O carioca Fabiano Soares, 48, vive da pesca há um ano. Antes de ir para a Z-13, dava aulas de stand up paddle –esporte que pode ser praticado no mar.
“Comecei a pescar e me apaixonei. Você não vai ver um pescador de barquinho rico, mas eu gosto, é uma vibe legal”, diz.
Soares costuma sair cedo para a pesca, por volta das 5h ou 6h. Volta do mar perto das 8h. Ele também avalia que reter jovens desafia a manutenção da colônia.
“O desafio maior é dar continuidade, é botar a molecada para tocar a atividade. Pescaria é para quem gosta”, afirma.
Também ligado à Z-13, o carioca Eduardo Felipe da Silva Nora, 61, pesca desde a infância. Hoje, usa uma lancha que se diferencia da maioria dos pequenos barcos movidos a óleo diesel na colônia. O equipamento, segundo ele, permite pescar 15 quilômetros mar adentro.
“Antigamente, o jovem vinha com o pai e ingressava na pescaria. Hoje, a maioria consegue trabalho que não tem risco. Não trabalha sábado e domingo. Tem até preconceito com a pescaria”, afirma Nora.
Na visão do pescador, o futuro da Z-13 depende de iniciativas voltadas à atração de mais turistas para o local. “Fomentar o turismo é fundamental.”
ATIVIDADE ESTÁ ENTRE AS QUE PAGAM MENOS
No segundo trimestre de 2023, o Brasil tinha quase 306,3 mil trabalhadores ocupados como pescadores, conforme levantamento do economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores.
A análise abrange 427 ocupações que constam na Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os pescadores tinham o quarto menor rendimento dessa lista. No segundo trimestre deste ano, a renda média do trabalho da categoria foi estimada em R$ 736 por mês. A quantia equivale a menos de um salário mínimo (hoje em R$ 1.320).
O rendimento médio dos pescadores só superava os ganhos dos trabalhadores de tratamento e preparação de madeira (R$ 602), carregadores de água e coletores de lenha (R$ 588) e artistas criativos e interpretativos não classificados anteriormente (R$ 509). A maior renda do levantamento foi a dos juízes: R$ 24,7 mil.
Já os trabalhadores descritos como dirigentes de produção da aquicultura e pesca tinham um rendimento médio de R$ R$ 7.924, por mês, no mesmo período. A categoria somava 2.396 ocupados no segundo trimestre.
A análise ainda contabiliza 20,6 mil trabalhadores elementares de caça, pesca e aquicultura no país. Nesse grupo, o rendimento médio foi de R$ 1.042 por mês. Os trabalhadores elementares podem envolver funções diversas dentro de um setor econômico.
LEONARDO VIECELI / Folhapress