PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Com seus cabelos brancos encaracolados, óculos, lenço na lapela do paletó e inglês impecável, o repórter Nelson Monfort se tornou sinônimo de Jogos Olímpicos para os franceses um pouco como ocorre no Brasil com Álvaro José, da Band. Com 15 Olimpíadas nas costas (nove de verão e seis de inverno), Monfort, 71, é o responsável pelas entrevistas com os atletas nas grandes competições para France Télévisions, canal público que transmite os Jogos. Não há grande nome do esporte nas últimas três décadas que não tenha parado para falar ao vivo ao seu microfone.
Abordar atletas famosos, principalmente depois de uma derrota, pode ser um exercício delicado, que Monfort domina. “Acho que uma entrevista pode dar certo ou dar errado antes mesmo da primeira pergunta”, disse Monfort à reportagem, em um intervalo entre duas transmissões dos Jogos Paralímpicos. “É o jeito de agir. Como aqui, com você, que veio falar comigo educadamente: eu não vou dizer não.”
A primeira entrevista de Monfort ao vivo, em 1987, já foi com um nome de peso: a tenista tcheca naturalizada norte-americana Martina Navratilova. Ao longo dos anos, houve momentos agradáveis e outros nem tanto. Nos Jogos de Atlanta, em 1996, ficou famosa a cena em que o velocista americano Michael Johnson saiu correndo antes mesmo que Monfort terminasse uma pergunta longa demais (os dois, hoje, riem do episódio).
Em compensação, o repórter francês acabou amigo de campeões acostumados a conceder-lhe entrevistas, como Rafael Nadal: Monfort cobriu à beira da quadra todos os 14 torneios de Roland Garros conquistados pelo tenista espanhol. “Toda vez, o primeiro com quem ele fala sou eu.” Entre seus favoritos, estão os velocistas Carl Lewis e Usain Bolt.
O inglês fluente, em um país notoriamente de monoglotas, ajudou Monfort em sua carreira de entrevistador internacional. O pai, apesar do sobrenome de sonoridade francesa, era norte-americano, descendente de protestantes franceses que fugiram de perseguições religiosas no século 18.
Curiosamente, a formação de Monfort não foi de jornalista: ele é diplomado em direito, com especialização em relações internacionais em Sciences Po, faculdade que forma a elite da política francesa. “Eu tinha muitas possibilidades, mas as que eu queria não eram as que me ofereciam. Eu queria uma vida de encontros, uma vida ao ar livre, uma vida de viagens. Um pouco como você, não?”, brinca com o repórter.
Dos Jogos do Rio, ele guarda uma boa lembrança. “Lembro da maratona em frente à praia, Ipanema, acho. Os brasileiros têm um jeito fatalista, de aceitação do que vai bem e não vai bem. Quando falam de ‘saudade’, eu entendo. A cidade e o país me encantam, não estou falando para agradar.”
Teoricamente, Monfort se despediu este ano de Roland Garros, depois de 30 anos. “Trinta é um número bonito. Não vou ficar aos 80 anos entrevistando jogadores de 20, isso não faria sentido, tenho muita consciência disso. Despedi-me com uma final magnífica, com Carlos Alcaraz.”
Mas no jornalismo, como no esporte, nem sempre as despedidas são definitivas. “Quando chegar Roland Garros, ano que vem, vai dar uma pontada no coração.”
Quanto aos Jogos Olímpicos, Monfort ainda não sabe se estará em Los Angeles, daqui a quatro anos, pois seu contrato com a TV pública hoje em dia é temporário. “Não sou eu que decido. Mas não será como agora. Talvez como comentarista. Em todo caso, é daqui a quatro anos. Vai ser lindo.”
ANDRÉ FONTENELLE / Folhapress