Com 5 décadas de Metrô, mecânico aposentou máquinas e testemunhou o ‘impensável’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O mecânico João Custódio, 71, lembra de ouvir os comentários incrédulos sobre o plano de se construir um trem que atravessaria 17 quilômetros de túneis debaixo da terra na maior cidade do país. Em Londrina (PR), onde ele morava, muita gente não acreditava na notícia que vinha estampada no jornal.

“A velharada toda [dizia]: ‘Isso é mentira. Como é que você conta uma mentira dessa?'”, ele relembra. “Fora o pessoal que tinha medo de usar.”

Custódio tinha cerca de 18 anos quando ouviu falar do Metrô de São Paulo pela primeira vez. Três anos depois, em 1974, estava trabalhando como mecânico na companhia responsável pela maior obra de engenharia do Brasil até aquele momento. E presenciou a primeira viagem comercial do trem que rodava debaixo da terra.

Viajar num trem subterrâneo era impensável em boa parte do Brasil, mas uma ideia antiga nas principais capitais do mundo. Em Londres, o primeiro metrô do mundo foi inaugurado em 1863, ou seja, já tinha mais de cem anos quando ganhou sua versão brasileira.

Custódio foi contratado pela companhia do Metrô em 7 de agosto de 1974, um mês e uma semana antes da inauguração do primeiro trecho operacional.

Ele trabalhava na manutenção das escadas rolantes da estação Jabaquara no dia em que autoridades como o governador biônico Laudo Natel, o prefeito Miguel Colassuono, e outras autoridades foram levados de Vila Mariana a Jabaquara.

O Metrô ainda levaria um ano para inaugurar a estação Santana, na zona norte e, assim, chegar aos 17 quilômetros de extensão que o mecânico havia lido no jornal anos antes.

Não foi a notícia sobre o metrô que fez Custódio migrar do Paraná para São Paulo. Ele decidiu se mudar depois de ouvir que poderia ganhar um salário seis vezes maior do que ganhava no comércio ou na roça em Londrina, e economizar um terço do dinheiro.

Seu irmão tentou rasgar a passagem de ônibus quando ficou sabendo da viagem. Seu único contato em São Paulo era um tio que não visitava a família em Londrina havia vários anos, de quem Custódio só tinha o endereço. “Quando eu falei ‘estou indo para São Paulo’, ele [seu irmão] me disse: ‘você é doido?'”

No entanto, ele encontrou o tio e bastaram três dias para que arranjasse emprego no Metrô. Na época, não havia concurso e não se exigia nenhuma especialização para a vaga de ajudante de mecânico para a qual ele foi contratado.

Custódio tornou-se o funcionário nº 2.561 da companhia —um dos mais antigos que ainda trabalham na empresa. No começo, ele fazia todo tipo de serviço, mas em poucos meses foi transferido para a oficina de manutenção de veículos.

Apesar do nome, não se trata do local de reparo dos trens do Metrô, e sim de todos os outros veículos que trafegam nos trilhos quando não há passageiros nas linhas. Seu trabalho é manter as máquinas que garantem a segurança e a qualidade do transporte.

Aquela que lhe deu mais trabalho é a esmerilhadeira RR 18 E/1600, fabricada pela empresa italiana Mecnafer em 1977. O equipamento é responsável por lixar os trilhos e corrigir imperfeições. É o que previne solavancos que fazem os vagões balançar durante a viagem. A máquina lembra um carro de locomotiva.

“O trabalho nela é bem pesado, é braçal mesmo”, conta o mecânico. “Os parafusos são todos grandes, torque alto, é tudo manual. Tem lugares ali que não entra nem o equipamento. Você tem o equipamento pneumático, mas não encaixa pelo projeto dela.”

A esmerilhadeira Mecnafer chegou à oficina do Metrô depois e saiu de cena antes de Custódio. No mês passado, o equipamento foi desativado. “Ela aposentou antes de mim”, diz o mecânico.

TULIO KRUSE / Folhapress

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