SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio a uma série de casos recentes de violência policial em Goiás, o estado governado por Ronaldo Caiado (União Brasil) tem registrado um patamar alto de mortes causadas em ações das forças de segurança.
A polêmica mais recente foi o caso que envolve o goleiro Ramón Souza, 22, do Grêmio Anápolis, atingido na noite de quarta-feira (10) por um tiro de bala de borracha disparado por um policial militar no estádio Jonas Duarte. O agente abriu fogo em meio a uma confusão entre jogadores ao final da partida. A mãe do atleta afirmou que ele desmaiou após o tiro e não deve jogar mais neste ano.
Em nota, Caiado manifestou indignação e determinou uma investigação rápida e detalhada sobre o caso. A gestão diz que o policial responsável pelo disparo foi afastado de qualquer evento esportivo e encaminhado para a junta psicológica.
Além disso, a Corregedoria da Polícia Militar de Goiás abriu um inquérito para apurar o crime de lesão corporal e instaurou um procedimento administrativo disciplinar.
O caso engrossa o conjunto de polêmicas na segurança pública do estado goiano. Entre eles, está o vídeo em que policiais militares cantam uma música que incita violência –a letra fala de assassinato e caça à testemunha.
Após a divulgação do caso no fim de junho deste ano, o governo Caiado disse que investe nas tropas de segurança no estado para que elas prestem um serviço de excelência e com atenção para que “eventuais excessos sejam identificados e corrigidos”. O Ministério Público instaurou um procedimento para apurar o vídeo.
A gestão afirmou também que registrou queda em todos os indicadores criminais nos primeiros três meses de 2024 em relação ao mesmo período do ano passado.
Pouco antes deste episódio, em abril, policiais civis invadiram uma casa por engano em Aparecida de Goiânia, na região metropolitana de Goiânia, durante o cumprimento de um mandado judicial.
Na ocasião, autoridades arrombaram o portão de uma residência e surpreenderam os moradores. A corporação disse que eventuais abusos ocorridos na operação já estavam sob apuração interna.
Caiado assumiu o governo estadual em 2019, e foi reeleito em 2022.
No primeiro mandato, o ano de 2021 ficou marcado pela longa caça ao serial killer Lázaro Barbosa, morto após 20 dias de buscas. Na ocasião, o governador elogiou a atuação da polícia.
“Era questão de tempo até que a nossa polícia, a mais preparada do país, capturasse o assassino Lázaro Barbosa”, disse o governador na época. “Parabéns para as nossas forças de segurança. Vocês são motivo de muito orgulho para a nossa gente! Goiás não é Disneylândia de bandido.”
Com a tentativa já anunciada de viabilizar seu nome para a corrida presidencial de 2026, Caiado tem marcado posição no tema de segurança pública. Na última segunda-feira, o governador disse que a área foi a que mais avançou durante sua gestão. A afirmação foi feita durante uma reunião de balanço para divulgar reduções em em indicadores criminais do primeiro semestre na comparação com 2018.
Já em vídeo publicado em junho nas suas redes sociais, Caiado também se contrapôs à proposta do governo Lula (PT) para o uso de câmeras corporais por policiais, citando o combate ao narcotráfico. “Quero deixar claro uma coisa só: eu, em Goiás, não vou botar câmera em policial. Não vou. Policial meu não vai botar.”
Ao mesmo tempo, os casos de letalidade policial aumentaram durante seu mandato. Em 2018, antes dele assumir, foram 429 registros de óbitos em ações das forças de segurança. Nos quatro primeiros anos, de 2019 a 2022, a marca sempre superou 500 mortes
Os dados foram reunidos em diferentes edições do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os números relativos a 2023 ainda não foram divulgados.
No site da Secretaria de Estado da Segurança Pública não foi possível fazer essa comparação, já que as informações disponíveis sobre letalidade policial vão até 2019, segundo link indicado no site da pasta. Em 2023, foram registrados 517 óbitos por intervenção de agentes de segurança pública.
Ainda, a proporção da letalidade policial em relação ao total de mortes violentas intencionais cresceu nos anos Caiado, ao menos até 2022, segundo o fórum.
O indicador soma, além das mortes causadas por agentes de segurança, os homicídios dolosos, latrocínios e as mortes após lesão corporal. A parcela da letalidade policial, que ficou entre 4,6% e 15,8% entre 2015 e 2018, subiu para 23,7% em 2019 e alcançou 30,2% em 2022. Naquele ano, das 1.780 mortes violentas registradas, 538 decorreram de intervenção das forças policiais.
Em nota, a secretaria afirma que age com austeridade para a redução da letalidade nas ações policiais. “A partir de 2020, há uma tendência de queda nas ocorrências sobre letalidade policial, invertendo o crescimento acentuado que ocorria desde 2015.”
A pasta diz que, além do acompanhamento de mortes por letalidade policial pelas forças de segurança, é instaurado um inquérito policial com o processo legal cabível. Também afirma que o monitoramento de eventuais condutas excessivas é realizado por meio das corregedorias setoriais, o que garante, segundo a pasta, o controle interno das atividades.
Para a pesquisadora Bartira Miranda, associada sênior do Fórum, o tiro de borracha no jogador Ramón Souza é exemplo da falta de preparo da corporação. “O policial simplesmente aponta a arma e atira. Quando acontece algo assim [gravação], a polícia diz que foi um desvio e que vai investigar.”
Para ela, há um discurso eleitoreiro sobre as polícias, que vai na contramão da tentativa de melhorar protocolos de atuação para reduzir a violência. Ainda, ela critica a falta de transparência da gestão, que teria imposto sigilo a dados de violência contra a mulher e letalidade policial.
Em nota, a gestão nega e alega que não há dificuldade em fornecer os dados e sempre trabalha dentro da transparência e segue as diretrizes da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública) disponíveis no site da SSP-GO.
No link informado no site, só é possível visualizar dados até 2018 para estatísticas criminais e de produtividade (apreensões de armas e drogas, por exemplo) e até 2019 para letalidade.
LUCAS LACERDA E ISABELLA MENON / Folhapress