SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A linha de ônibus 208M-10, que liga os terminais Santana, na zona norte, e Pinheiros, na zona oeste paulistana, virou uma comunidade sobre rodas, um lugar onde as pessoas dividem bolos e cuscuz, tomam cafezinho distribuído em uma garrafa térmica e conversam alegremente.
Nem parece uma linha de transporte coletivo de São Paulo.
Essa transformação da 208M-10 começou em meados do ano passado, por iniciativa do motorista Almir da Conceição, o Careca, 40, e do cobrador Wilker Lenco, 32, que passaram a interagir com os usuários. A adesão de vários passageiros foi imediata e a empatia venceu qualquer desconfiança inicial.
O que prevalece hoje é um clima de descontração, mesmo com o ônibus lotado. Quem entra no veículo ouve um bom-dia e é indagado por Careca sobre como vai a vida. Na catraca, Lenco, que faz dupla com o motorista há um ano e meio, brinca e ajuda a transformar uma viagem em um momento agradável.
O período mais animado é o das 7h55 às 9h o ônibus demora mais de uma hora para chegar ao seu destino nos horários de pico. É quando se junta o círculo de amizade que se criou na linha.
A assistente jurídica Paula Ortega, 23, é uma das passageiras mais ativas nessa jornada. Ela fez, com a ajuda de Lenco, uma conta no Instagram e passou a organizar churrascos mensais em sua casa para os membros do “clube do 208M-10”.
“Na primeira vez que peguei o ônibus, há seis meses, descobri que era alto astral”, afirma. “Isso me chamou a atenção, e passei a usar o transporte todo dia nesse horário porque vi que era uma experiência divertida”, disse.
A advogada Bruna Batista, 30, pega o ônibus todo dia em Santana e desce na Barra Funda, na zona oeste. “Todo dia a gente chega, conversa e vai criando intimidade”, conta. “Esse ônibus é diferente.”
Ela diz, por exemplo, que sempre há uma garrafa com café, que circula entre os passageiros, o que se confirmou no último dia 17, quando a reportagem viajou com o ônibus. Passageiros levavam um copinho na mão.
A bacharel em direito Laura Nascimento, 23, usa, há um ano, o transporte para chegar ao emprego na Barra Funda e acha que o clima é excelente para começar um dia de trabalho.
“Num ônibus normal está todo mundo nervoso, ansioso, calado e aqui todos conversam e são receptivos”. diz.
Frequentemente ela leva balas para Lenco. Também participou do churrasco de fim de ano organizado pela turma do 208M-10. “Acho que todos os ônibus deveriam ser assim, com motoristas e cobradores agradáveis”, afirma.
Por causa do ambiente descontraído, as adesões não param de crescer. Para o analista de relacionamento André Zaidan, 22, a quem Careca chama de Luan Santana, usar a linha pela manhã dá uma melhorada na disposição.
“É um ônibus alegre, os outros são muito mais tristes”, afirma Zaidan, um novato na turma.
A arquiteta Rebeca Rabia, 27, também adora andar no ônibus, que pega no bairro de Perdizes, zona oeste. “Eles sabem de tudo, quem está namorando ou quem desfez o namoro, é tudo muito engraçado”, afirma.
A ideia de organizar churrascos mensais foi de Paula Ortega. Surgiu em setembro, quando o São Paulo iria disputar a final da Copa do Brasil com o Flamengo. Desde então, todos os meses os passageiros se reúnem.
No primeiro churrasco foram três pessoas e, no último, já tinha dez. Como a maioria dos participantes é de torcedores do São Paulo, os churrascos acontecem nos dias de jogos do time. O próximo encontro está marcado para o dia 4 de fevereiro, quando Palmeiras e tricolor disputarão a final da Supercopa.
“O Careca é meu amigo, psicólogo e conselheiro”, afirma Elaine Cristina, 50. Ela conta que foi demitida há duas semanas depois de oito anos e seis meses trabalhando como auxiliar de limpeza. “Nesse ônibus me sinto melhor.”
Mesma sensação tem a enfermeira Leoneida Dominichelle, 48, outra fiel ao 208M-10. “Aqui, o nosso ânimo já muda”, diz. “A gente vai trabalhar, mas sente que está fazendo um passeio pela cidade.”
O condutor, que é separado e tem dois filhos, é motorista há dez anos e está na 208M-10 há dois. Antes era metalúrgico e perdeu o emprego. Gosta muito do que faz atualmente.
Mesmo com toda a interação social, diz que procura não se distrair e cumpre sua função com responsabilidade.
“Hoje não me vejo mais trancado. O trampo de motorista é bom, você conhece gente e faz muita amizade”, afirma.
VICENTE VILARDAGA / Folhapress