Com carreira ambiental, futura presidente do México lida com sombra de AMLO

CIDADE DO MÉXICO, MÉXICO (FOLHAPRESS) – Claudia Sheinbaum, 61, alcançou o seu segundo pioneirismo neste domingo (2). Exatos seis anos após se tornar a primeira mulher eleita para chefiar a capital Cidade do México, ela deverá se tornar a primeira presidente da história do país.

Passará a ser, também, a primeira descendente de judeus a chegar ao Palácio Nacional, ainda que pouco reivindique suas origens. Seus avós paternos emigraram da região da Lituânia no início do século 20, e os maternos chegaram da Bulgária nos anos 1940, fugindo do Holocausto.

Com doutorado em engenharia ambiental e mestrado em engenharia de energia, é formada em física, com uma carreira acadêmica respeitada. Foi secretária de Meio Ambiente quando AMLO era o chefe de governo na Cidade do México, na primeira metade dos anos 2000, e subprefeita de Tlalpan, uma das regiões administrativas do Distrito Federal que compõem a capital mexicana, de 2015 a 2017.

Há menos de um ano, ela se casou com um ex-namorado da época de faculdade, um analista de riscos do Banco do México com quem teve um relacionamento de um ano e três meses na universidade. Sheinbaum tem uma filha de outro casamento e também considera um filho de seu ex-esposo, que ajudou a criar, como seu filho.

De perfil sóbrio, simbolizado em seus invariáveis vestidos longos de alfaiataria e seu rabo de cavalo característico, ela deve assumir um país com conhecidos desafios socioeconômicos.

Mas talvez uma de suas principais tarefas seja se diferenciar de seu padrinho político, o presidente esquerdista Andrés Manuel López Obrador, ou AMLO, e mostrar que, a despeito do que pregam seus detratores, ela não é uma mera marionete dele.

Ainda que sua falta de carisma público chame atenção, em especial na comparação com AMLO, que vestiu a capa do populismo, Sheinbaum surfou na popularidade do principal cargo político que exerceu.

Ela deixou a chefia de governo (equivalente a governadora) da Cidade do México, no ano passado, com 54% de aprovação, mostra levantamento do jornal El Financiero.

Jogaram a favor dela dois êxitos. Primeiro, uma campanha bem-sucedida contra a insegurança, com a qual sua gestão reduziu em 50% os homicídios, de acordo com cifras oficiais, investindo em prevenção e investigação e aumentando os salários dos policiais. Segundo, a expansão da malha do Cablebús —um importante teleférico que conecta a periferia a outros transportes— e das linhas de ônibus.

Uma das questões-chave que se colocam é como ela fará para replicar o sucesso na segurança em nível nacional diante de um México que vive índices históricos de violência, com assassinatos de candidatos em várias regiões. AMLO apostou na militarização como solução para esse problema, e Sheinbaum não deu nenhum sinal de que poderia confrontá-lo.

Entre episódios conflituosos do período em que esteve no poder, dois ainda são lembrados. Sua gestão na capital ficou marcada pelo colapso de um trecho elevado com vagões de metrô lotados no horário de volta do trabalho, em 2021. Vinte e seis pessoas morreram, e Sheinbaum foi alvo de críticas pela punição aos responsáveis, considerada branda.

Antes, o desmoronamento de uma escola em 2017 em Tlalpan, quando era subprefeita, durante um terremoto, abriu o debate sobre o fato de que o prédio já estava condenado e de que sua administração, ainda que soubesse, não o fechou. Dezenove crianças e sete adultos morreram.

Sheinbaum deverá receber uma gestão conduzida por seu padrinho com três pilares: amplo despejo de verba em programas assistencialistas; avanço contra instituições como o órgão eleitoral e a Suprema Corte; e ataques constantes contra setores como a imprensa independente e ONGs.

Sheinbaum nem de longe tem o perfil visceral de López Obrador, mas até aqui adotou à risca seu manual, deixando em aberto se preservará o perfil populista que institutos de pesquisa ao redor do mundo apontam como danoso à democracia liberal.

Muitos depositam suas esperanças na faceta técnica de Sheinbaum. Ainda que sem explicar como o faria, ela reiteradamente prometeu na campanha promover o uso de energia limpa. Enfim, uma sinalização que a opõe a AMLO, um defensor de reformas que concentrariam a produção de energia do país nas mãos de quem pouco investe em fontes renováveis, as empresas estatais.

Talvez seja justamente a ciência um dos fatores que afastam os dois. Na pandemia, López Obrador desdenhou do vírus. AMLO literalmente incentivou beijos e abraços quando o recomendado para preservar vidas era a distância. Sheinbaum manteve posição comprometida com a saúde pública, e sua estratégia epidemiológica foi elogiada.

Buscando se desvencilhar do apelido de “dama de gelo”, cunhado por seus opositores, ela discursou em seu último ato pré-votação com sua lista de promessas na última quarta-feira (29) para uma multidão na famosa praça Zócalo.

“Faremos um governo honesto, sem lobby, corrupção ou impunidade. Não nos submeteremos a nenhum poder econômico ou estrangeiro por mais poderoso que seja. Respeitaremos a diversidade política, social, de gênero e sexual. Garantiremos igualdade para as mulheres.”

Daqui a seis anos os mexicanos deversão saber quais delas foram cumpridas por Claudia Sheinbaum.

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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