Com dados velhos, Cadastro Ambiental Rural precisa de ‘recall’ e até call-center

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O país se arrasta há uma década para implementar o CAR (Cadastro Ambiental Rural) —um registro de todas as propriedades rurais do país, espécie de RG de fazendas—, com lentas evoluções. Ainda distante do destino, o CAR já necessita de um “recall”, devido a informações velhas. Até um call-center foi instalado, no estado de São Paulo, para auxiliar na situação.

Mas, apesar de a implementação se arrastar, houve uma evolução em 2023, aponta análise da CPI (Climate Policy Initiative), grupo de pesquisa que possui parceria com a PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). O estudo foi divulgado nesta segunda-feira (18).

“A gente observou um salto”, diz Cristina Leme Lopes, gerente-sênior de pesquisa da CPI/PUC-Rio. Porém, os avanços não foram uniformes, com alguns estados permanecendo consideravelmente atrasados no processo.

O CAR é um instrumento instituído pelo Código Florestal, de 2012, como elemento central da legislação do tema.

É a partir dos dados —autodeclarados— do CAR que os governos sabem se os proprietários rurais estão de acordo, ou não, com a lei. Por exemplo, para fazendas na amazônia, os proprietários precisam manter em pé 80% da vegetação nativa —é a chamada reserva legal. Caso não tenha o percentual adequado, o proprietário deve se adaptar. Tal etapa de entrada, ou seja, a inscrição pelos proprietários, já está consolidada país afora, segundo a análise anual dos pesquisadores.

Mas, daí em frente, já começam as questões problemáticas.

Após a autodeclaração, é necessária uma análise para conferir se os dados entregues estão corretos. Tudo precisa estar geolocalizado —ou seja, apontado precisamente em mapas—, como o traçados de rios. Essas marcações são necessárias para checar se a fazenda está dentro de áreas públicas ou indígenas, por exemplo.

A etapa de análise é apontada pelo levantamento como a mais desafiadora da implementação do Código Florestal. Um dos problemas nessa fase é a idade dos dados de cadastro analisados, que, em muitos casos, são de vários anos atrás.

“Os cadastros foram feitos lá atrás, os imóveis rurais mudaram nesses últimos dez anos. Quando você pega uma imagem de satélite de ocupação do uso do solo hoje, ela não está igual à de dez anos atrás. O que você declarou lá atrás já não é verdade para a realidade de hoje”, explica Lopes.

Outro ponto citado é a evolução tecnológica das informações geoespaciais. Lopes afirma que, enquanto no passado foram permitidos registros que podem ter sido mais simplificados, hoje as bases de dados usadas para avaliação têm acurácia muito superior.

“As bases de dados de dez anos atrás não enxergavam o território como enxergam hoje”, diz a especialista. “Você vai ter inconsistências devido à evolução da tecnologia em termos de reconhecimento do detalhe espacial.”

Por esses motivos, enquanto faziam o relatório, os especialistas da CPI/PUC-Rio ouviram de muitos técnicos da área a ideia de que está ocorrendo um “recall” dos CARs.

EVOLUÇÃO

Mas, mesmo com essas dificuldades, pode-se dizer que a etapa de análise foi uma das que apresentou avanços, de acordo com o novo estudo.

Uma das novidades —que já surgiu há alguns anos, vale dizer, mas vem ganhando terreno— relacionadas às análises dos CARs são os processos automatizados. O estudo indica que mecanismos desse tipo já foram implementados em seis estados: Amapá, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná e São Paulo.

A automatização simplifica o processo, já cruzando diferentes bases de dados e verificando se as informações estão completas e corretas. Dessa forma, proprietários com o CAR em conformidade com as regras avançam mais rapidamente no “funil” de análise.

Um dos sistemas que fazem isso é a chamada análise dinamizada, desenvolvida pelo SFB (Serviço Florestal Brasileiro). Nesse caso, ao serem percebidas inconsistências, o próprio sistema sugere e faz correções —quase como um “Você quis dizer…” com os quais nos deparamos às vezes em ferramentas de busca na internet.

O proprietário, por sua vez, pode concordar ou não com a retificação feita; caso não concorde, a análise vai para equipes técnicas.

Resolvidas as inconsistências de registro, o sistema identifica se a propriedade tem passivos ambientais, como menor percentual de cobertura nativa do que o legalmente requerido. O proprietário, caso tenha pendências, é indicado a seguir para o chamado PRA (Programa de Regularização Ambiental), no qual pode assinar um termo de compromisso para se adequar —regenerando ou compensando áreas.

São Paulo, como apontado anteriormente, foi um dos entes a implantar a análise dinamizada. Lopes diz que, no estado, quase 90% de tudo que passou pelo sistema automatizado necessitou de alguma retificação.

Mas, com a automatização, São Paulo se tornou o estado com maior número de CARs com análises já iniciadas —são mais de 387 mil, cerca de 92% do total de propriedades. O estudo aponta que, se o estado conseguir engajar os produtores a aceitar o resultado da análise e aderir ao PRA, terá a possibilidade de ser líder na implementação do Código Florestal no Brasil.

Mesmo com as análises automatizadas, é necessário, no entanto, contato com o proprietário —e aí aparecem outros problemas. Se as bases sobre uso do solo já estão defasadas, imagine as informações de contato dos produtores rurais.

O estudo classifica esse como o grande gargalo atual. “A notificação não chega ao proprietário”, resume a gerente-sênior de pesquisa.

O pedido de contato é enviado no sistema —mas não necessariamente o proprietário está olhando para essa ferramenta— ou, em muitos casos, em emails de consultores que foram, há muitos anos, contratados para fazer o registro pelo dono da fazenda.

“O esforço hoje nos estados é de comunicação para sensibilizar os produtores que eles precisam entrar nos cadastros e identificar se tem uma notificação para revisar”, diz Lopes.

A especialista cita novamente São Paulo, que, além de mutirões físicos, colocou em ação o FaleCAR, uma espécie de call-center para ajudar os proprietários rurais. O estudo do CPI aponta que, de abril a novembro de 2023, foram mais de 8.000 ligações para o FaleCAR.

O estado também faz uma busca ativa por donos de fazendas em que o CAR foi analisado e não há pendência, para que, dentro do sistema, concordem com a análise automatizada e, assim, finalizem o processo.

Outros estados passaram a usar a suspensão do CAR como estratégia para chamar a atenção dos proprietários, diz Lopes. Se o dono da propriedade não responder à notificação, o CAR é suspenso, o que impossibilita atualmente a concessão de crédito rural.

O Banco Central instituiu, em 2023, a resolução do Conselho Monetário Nacional 5.081, segundo a qual não pode ser concedido crédito a CARs cancelados ou suspensos.

Segundo Lopes, a evolução vista na implementação do CAR, em muitos casos, não foi quantitativa, mas, sim, qualitativa. Ela cita Minas Gerais como exemplo, pela agenda ambiental do estado estar sendo costurada a partir da implementação do código.

Outros destaques foram Alagoas e Pará —tido como um dos entes federativos que vêm liderando a agenda do código.

Considerando o país como um todo —e com a grande concentração de olhares e esforços sobre a fase de análise do CAR— as partes finais da implementação do Código Florestal, ou seja, a regularização, com possíveis áreas de regeneração ambiental, ainda parece algo distante.

O panorama pode ainda se tornar mais complexo, segundo o levantamento, dependendo do resultado do julgamento de embargos de declaração de ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) que estão em curso no STF (Supremo Tribunal Federal).

O julgamento em questão pode mudar o entendimento em relação à compensação de reserva legal —parte do processo de regularização ambiental. Segundo o grupo de pesquisa, dependendo da decisão do STF, pode haver insegurança jurídica, judicialização e penalização de produtores que se regularizaram através da compensação.

PHILLIPPE WATANABE / Folhapress

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