SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No fim do ano passado, uma onda de otimismo dominou o humor dos investidores. Os mercados globais atingiram patamares recordes, e a Bolsa brasileira, surfando nessa onda, teve seu melhor desempenho em quatro anos, movidos pelas apostas de que os juros americanos começariam a cair neste mês.
Agora, após novos dados de inflação e emprego nos Estados Unidos, a certeza é de que isso não vai ocorrer. Nesta quarta (20), o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) deve manter as taxas de juros do país inalteradas na faixa entre 5,25% e 5,50%, e o tão esperado afrouxamento monetário deve ficar para o segundo semestre.
O resultado foi um banho de água fria nos investidores. Se no início as projeções indicavam entre seis e sete cortes de juros neste ano, agora, o mercado espera apenas quatro, segundo pesquisa da Bloomberg, e o primeiro deles deve demorar pelo menos até junho para ser concretizado.
Apesar das revisões nas apostas, a euforia no fim do ano passado não foi de todo equivocada. Em outubro, a inflação americana caiu de 4,15% para 4,07%, e o núcleo do indicador, que exclui preços mais voláteis como alimentos e energia saiu de 3,70% para 3,24%, indicando desaceleração da economia.
No mesmo período, o PCE, indicador de preços mais acompanhado pelo Fed, registrou sua menor taxa anual desde março de 2021, subindo 3,0% e endossando ainda mais as apostas de que uma antecipação do corte de juros poderia ocorrer.
Os números deste ano, no entanto, surpreenderam negativamente.
O CPI (índice de preços ao consumidor americano) de fevereiro, dado de inflação mais recente divulgado nos EUA, acelerou a 3,2%, ficando levemente acima das projeções. Apesar da variação discreta, a avaliação é de que a alta de preços permanece resiliente e distante da meta de 2% do Fed.
“A ansiedade para que os juros começassem a cair gerou um olhar enviesado. Claro, a inflação caiu um pouco mais rápido do que se esperava, o que motivou algumas mudanças na linguagem de participantes do Fed. Mas não era o suficiente para gerar uma euforia tão grande e uma aposta massiva nos cortes em março”, diz Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad.
Além disso, o mercado de trabalho americano também vem dando sinais de resiliência. O último payroll, principal relatório de emprego dos Estados Unidos, mostrou que a criação de postos de trabalho acelerou em fevereiro, e havia 1,45 vaga aberta para cada pessoa desempregada no país em janeiro.
Somados a um PIB (Produto Interno Bruto) que cresceu mais de 3% no quarto trimestre de 2023, os dados apontam para uma conclusão: mesmo com a maior alta de juros em mais de 20 anos, a economia americana manteve-se forte.
“Estamos vendo um mercado de trabalho muito agressivo, uma economia que não dá nenhum sinal de que está entrando em recessão. Ao contrário: o público segue forte, os salários estão subindo acima da produtividade, e esse lado econômico é compatível com uma inflação de serviços mais elevada”, afirma Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank.
Para Salles, o risco de volta da inflação é maior do que o risco de uma recessão econômica no país, e, por isso, a cautela do Fed sobre o início do corte de juros é justificável.
Luís Moran, chefe da EQI Research, faz a mesma avaliação. Com a inflação caminhando lentamente para a meta e uma economia aquecida, sem sinais de recessão, o banco central americano está numa situação confortável para esperar novas informações antes de iniciar um afrouxamento monetário.
“A última coisa que o Fed quer é começar a cortar cedo demais e ter que voltar a subir juros no futuro. A economia está saudável, ele pode se dar ao luxo de esperar. Acho que aí está a explicação de por que o mercado teve que revisar as apostas”, diz ele.
As razões para a força surpreendente da economia americana seguem incertas. Dentre as hipóteses, aparecem mudanças estruturais do mercado de trabalho, recuperação de oferta e a persistência dos estímulos emergenciais adotados durante a pandemia de Covid-19. Ainda não é possível, no entanto, definir com clareza o que levou o país à resiliência econômica.
O fato é que os juros altos não parecem estar causando uma desaceleração e, por isso, na reunião desta semana, a aposta praticamente unânime é de que eles não devem ser alterados. O mercado estará atento a possíveis mudanças no comunicado da autoridade monetária que possam indicar quais serão seus próximos passos.
Em seu último discurso público, o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou que o progresso contínuo da inflação não está garantido e que as autoridades precisam de mais confiança antes de reduzir os juros. O dirigente disse, no entanto, que o banco espera iniciar o afrouxamento monetário ainda neste ano.
IBOVESPA DEPENDE DE JUROS AMERICANOS PARA VOLTAR A SUBIR
Sem grandes eventos locais e com as apostas sobre corte de juros adiados, a Bolsa brasileira vem tendo dificuldade de avançar. Desde o início do ano, o Ibovespa acumula queda de 5,38%, depois de ter ultrapassado pela primeira vez o patamar de 134 mil pontos no fim de 2023.
Isso porque a perspectiva de queda de juros nos EUA, em geral, favorece a Bolsa do Brasil pois leva a um redirecionamento de recursos do mercado americano para países mais arriscados e rentável, como o Brasil. Enquanto as taxas americanas continuarem elevadas, esse potencial de investimento estrangeiro permanecerá retido.
“Os juros americanos determinam como serão os fluxos. Na nossa Bolsa, o investidor estrangeiro entra comprando e leva o preço para cima. O movimento dos juros americanos influencia todo o mundo, e é isso que vai fazer diferença. Quando vermos uma queda consistente, a gente voltar a ter fluxo vindo para a Bolsa”, diz Moran, da EQI.
Boa parte da queda do Ibovespa também está ligada aos tombos da Vale e da Petrobras, as duas empresas de maior peso do índice, neste ano. Enquanto a mineradora vem sendo penalizada por uma forte queda do minério de ferro no mercado internacional, a petroleira passa por uma crise envolvendo possíveis interferências políticas em sua gestão.
O início do ciclo de cortes de juros nos EUA, no entanto, é o que pode fazer a Bolsa ganhar mais fôlego neste ano, na avaliação de analistas.
“O banco central americano tem sido o grande maestro da economia global, pelo menos nos últimos seis meses. Quando ele sinaliza um aperto de juros mais intenso, o mercado reage no mundo inteiro. O contrário também vale. O que acontece nos EUA tem implicação direta não só na Bolsa, no mas também no Banco Central do Brasil e de todos os países”, afirma Felipe Salles, do C6.
MARCELO AZEVEDO / Folhapress