Com escolas da Maré fechadas há 15 dias, crianças têm ensino, alimentação e saúde afetados

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Escolas públicas do complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, estão há 15 dias totalmente ou parcialmente fechadas por conta de operações policiais diárias. Com a rotina alterada, famílias afirmam que a suspensão das atividades nas escolas têm afetado, além do ensino, a alimentação e a saúde das crianças.

Escolas municipais e estaduais oferecem refeições como café da manhã e almoço. Com as crianças e adolescentes em casa, algumas famílias sentiram aperto no orçamento e encontram dificuldade para manter a rotina alimentar.

A Maré tem 49 escolas públicas e quase 20 mil alunos.

A Redes da Maré, organização que atua na região, afirma que há casos mais graves, com crianças em situação de insegurança alimentar.

Moradores dizem que a situação tem causado efeito também na saúde mental.

Rosana da Silva Paixão de Melo, 43, mãe de uma menina de 5 anos com síndrome de Down, teve a rotina completamente alterada porque, além da escola fechada, a insegurança a impede de levar a filha à terapia. Ela pode ser cortada do programa caso falte duas vezes.

“Minha filha tem uma professora muito dedicada, com pouco recurso, mas que estava fazendo a diferença. Ela já estava aprendendo muita coisa, mas está sem ir. É muito frustrante”, afirma.

Na noite de segunda-feira (2) ela chegou a arrumar a mochila da filha, mas acordou no dia seguinte com a notícia de que não haveria aula.

“Em dias assim a Vila Olímpica não funciona, a biblioteca não funciona e não podemos nem ir à praça porque é perigoso.”

Moradora da Nova Holanda, uma das 15 favelas que formam a Maré, Rosana trabalha prestando serviços eventuais domésticos e sentiu o orçamento familiar pesar com o fim temporário das refeições na escola.

“Quando ela chegava, era só dar o lanche e a janta, despesas a menos. Além de tudo, a criança em casa fica ansiosa, acaba comendo mais e isso impacta. Senti que esse mês as coisas acabaram mais cedo.”

Nesta terça-feira (3), uma operação das polícias Militar e Civil, com presença de comandos de operações especiais, terminou com três mortos. Segundo a PM, todos eram suspeitos e foram baleados em confronto. Cinco homens foram presos e seis fuzis apreendidos.

Por motivos de segurança, 42 escolas municipais e uma escola estadual foram fechadas.

Há dias em que todas as escolas estão fechadas e outros em que a suspensão ocorre nas unidades perto dos confrontos. Nesta terça, três municipais permaneceram abertas.

Desde o dia 19 de agosto, o fechamento das unidades escolares tem relação com a operação da Prefeitura do Rio para demolir um condomínio de mais de 300 imóveis. A Seop (Secretaria de Ordem Pública) lidera a demolição com apoio de policiais, e segundo a Polícia Civil os apartamentos foram construídos com dinheiro do tráfico.

Durante as operações, a polícia apreendeu quase 2 toneladas de drogas dentro de escolas da Maré. Na primeira apreensão, parte da carga foi encontrada dentro de dutos de ar-condicionado.

A insegurança faz postos de saúde e escolas acionarem um protocolo chamado pela prefeitura de acesso seguro. Na área da saúde, agentes comunitários deixam de circular. Na educação, escolas ficam fechadas até a situação acalmar.

O secretário municipal de Educação Renan Ferreirinha afirma que a decisão de fechar ou abrir é tomada a cada manhã. “Passa por entender se está tendo operações, se há confronto entre facções”, diz.

Membro do conselho estratégico da Redes da Maré, Andreia Martins afirma que a violência que gera a suspensão das aulas tem impactado também a vida dos professores.

“No dia seguinte não dá para tratar isso como se estivesse tudo normal. Não dá para comparar com uma escola, mesmo que seja pública, de um outro lugar que não tenha a presença dessa violência toda”, diz Andreia.

Um relatório da Redes da Maré calcula que, desde 2016, alunos que estudam na região perderam cerca de 150 dias letivos de aula, o que representaria quase um ano inteiro —o ano letivo tem 200 dias. Segundo a Redes, só este ano já foram mais de 30 dias sem aula.

“Ao longo do processo de escolarização obrigatória elas perdem muito e ficam numa desvantagem muito grande em relação às crianças que estudam em outras áreas da cidade, mesmo nas escolas públicas. Isso tem que ter algum tipo de reparação do Estado.”

O Ministério da Educação propôs no último dia 28 a criação de um grupo de trabalho para discutir o impacto de ações policiais na educação. A proposta foi uma resposta à Procuradoria do Rio de Janeiro, que havia pedido ao governo federal informações sobre uma diretriz nacional para o tema.

O efeito das operações na educação também virou flecha na campanha eleitoral municipal. Aliados do prefeito Eduardo Paes (PSD) responsabilizam a gestão do governador Cláudio Castro (PL) no tema da segurança pública, a despeito do fato de que prefeitura e governo atuam em conjunto na demolição dos prédios.

“Do muro para dentro, vamos correr atrás do prejuízo pedagógico. Mas a situação da segurança pública está muito crítica, falida”, diz Ferreirinha.

O secretário diz que o município, que atende crianças na creche, pré-escola e ensino fundamental, tem programas de reposição de conteúdo, como aulas de reforço em todas as escolas e os “aulões cariocas”, videoaulas no YouTube com material dividido para cada ano.

Para Andreia Martins , da Redes da Maré, a reposição dos conteúdos não poderá priorizar aulas remotas.

“Não adianta aula remota para alunos de favela, porque muitos não têm acesso à internet, as condições das famílias para acesso à internet e equipamentos são precárias.”

YURI EIRAS / Folhapress

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