Com laranja, coco e até carne de porco, café dispara na China em meio a guerra de preços

PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Até acabar a pandemia, a expectativa na China era de uma explosão do chá com bolhas —ou boba, como os chineses chamam a bebida gelada. Surgido em Taiwan, ele vinha ocupando cada vez mais as lojas de chá preto com leite, em redes como HeyTea ou Mixue. Uma consultoria de Guangzhou, HiTouch, aconselhava investir no setor como “nova forma de ficar rico”.

A pandemia ficou para trás, na passagem de 2022 para 2023, e o que se viu ao longo do último ano foi um outro fenômeno. O número de lojas para servir café cresceu 58% na China, segundo levantamento do World Coffee Portal, e a rede Luckin passou a americana Starbucks, que está no país desde 1999.

Como aconteceu paralelamente com a Apple, ultrapassada pela Huawei em smartphones de ponta, e com a Tesla, pela BYD, em carros elétricos, o principal motivo é preço. A Starbucks cobra até três vezes mais.

E a guerra está só começando. Uma terceira rede, Cotti, criada pelo fundador da Luckin, quase empatou com a Starbucks em lojas em 2023 e segue crescendo, cobrando menos do que a própria Luckin.

Em Sanlitun, bairro de consumo em Pequim, uma loja da Cotti, uma da Starbucks e duas da Luckin, entre outras, estão na mesma quadra. Haoniao, 33, desenvolvedor de software, diz por que escolheu a Cotti quando foi buscar seu café na tarde desta sexta (21). “É muito, muito mais barato”, respondeu, menos de um terço do que pagaria na Starbucks em frente.

Enquanto esta oferece mesas e cadeiras, a Cotti tem só um balcão. O cliente encomenda por aplicativo e recebe ou vai buscar a bebida na loja. Em relação à Luckin, diz ele, a vantagem da Cotti é não estar congestionada de gente, ao menos por enquanto.

“A Starbucks foi popular por muitos anos, mas hoje em dia ela não muda”, acrescenta. “Não é só o preço, mas também o sabor. Cinco anos, dez anos, é sempre a mesma coisa. Veja, este combina café com fruta.”

Mostra seu copo grande de café com suco de laranja e muito gelo, da Cotti. “Isso é novidade para mim. Fico muito feliz de testar algo novo.” Os mais vendidos nas maiores redes chinesas são todos assim, a começar do líder, café gelado com leite batido com coco. Outro bem cotado é o café gelado com chá preto com aroma de jasmim.

DO BRASIL PARA A CHINA

– O Brasil foi o maior fornecedor de café à China em 2023, com participação de 27,6% no valor importado pelo país. A Etiópia foi o segundo maior, com 18%.

– A exportação de café para a China em 2023 alcançou US$ 282 milhões, um salto de 226,7% em relação ao ano anterior, quando somou US$ 86,2 milhões.

– A União Europeia se manteve como o maior destino das exportações brasileiras de café em 2023, com 43,2% de participação. Em seguida estão EUA (15,8%), Japão (5,9%) e China (3,5%).

Fonte: Mdic

A Starbucks buscou reagir lançando um Parque de Inovação do Café da China, em Xangai, no final do ano passado. E no início deste ano apresentou um café com leite quente com porco, de edição limitada e logo esquecida.

A disparada chinesa em 2023 foi acompanhada de um crescimento de 226,7% em suas importações de café brasileiro, em relação a 2022, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic). O Brasil acabou sendo o maior fornecedor de café à China, 27,6% no valor importado pelo país no ano. A Etiópia foi o segundo, com 18%.

Nos primeiros cinco meses deste ano, o aumento foi de 124,2% em relação ao mesmo período de 2023. A expectativa é que o quadro se acelere com o memorando de entendimento assinado há duas semanas pela Luckin para a aquisição de R$ 2,7 bilhões em café brasileiro, durante dois anos. É um compromisso de compra que, por ano, chega perto do total vendido em 2023 para o país.

Tatiana Prazeres, secretária de Comércio Exterior do Mdic, acompanhou em Pequim o anúncio da operação, feito pelo CEO Jinyi Guo e pelo vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin numa loja da Luckin. “Há um fator importante que é o aumento da renda da classe média”, diz ela.

“A expansão da classe média abre oportunidades para esse tipo de produto, não apenas um café bacana, mas para alimentos e bebidas processados do Brasil, de forma geral. O esforço é subir degraus na escala de valor de alimentos e bebidas, a partir do aumento de renda dessa grande volume de pessoas na China.”

Questionado, Haoniao não mostrou entusiasmo pelo café brasileiro. “Bem, por mim, eu prefiro etíope”, disse. “Café de Yunnan também é bom. Costumo fazer em casa. Tenho muitos grãos de Yunnan. São os melhores para mim, comparados com os de outros países.”

A produção na província montanhosa de Yunnan, mais conhecida pelo chá, começou no século 19, mas ganhou impulso na década de 1980, com estímulo estatal e a experiência da Nestlé.

Quanto ao chá, a explosão do boba ainda não aconteceu. Duas redes chinesas de chá com bolhas lançaram ações no início deste ano, mas seus valores desabaram logo após os IPOs, a ponto de agora estimularem trocadilhos sobre “estouro da bolha”.

As lojas continuam presentes, inclusive uma da Mixue na mesma quadra da Cotti e das outras, com preço do boba abaixo dos cafés equivalentes. Mas, para o chá, a maioria ainda se volta ao tradicional, com tempo, preferencialmente em casa.

No ano passado, segundo a plataforma Statista, os chineses gastaram US$ 111,5 bilhões com chá, contra US$ 16,6 bilhões da Índia, no distante segundo lugar.

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RAIO-X

Luckin Coffee

Criada em outubro de 2017, fechou o ano passado com 16,1 mil lojas na China, segundo a consultoria Daxue. Sua estratégia visa consumo via aplicativo e preços baixos. A empresa enfrentou um escândalo de fraude sobre vendas em 2020, passando por reestruturação encerrada em 2022. É controlada hoje pela Centurium Capital, de Pequim.

Starbucks

Criada em 1971 em Seattle, nos EUA, estreou em 1999 na China. Em 2023, somou 7 mil lojas no país, segundo a Daxue, oferecendo WiFi. Tem procurado evitar a guerra de preços no setor chinês de café. Está presente hoje em 80 países.

Cotti Coffee

Criada no final de 2022 por cofundadores que deixaram a Luckin em meio ao escândalo, fechou o último ano com 6,6 mil lojas. Com foco nas duas líderes, suas lojas se situam em média a 241 metros de uma Luckin e a 400 metros de uma Starbucks.

NELSON DE SÁ / Folhapress

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