Com maior fila de cirurgias eletivas, Goiás tenta reverter cenário crítico

GOIÂNIA, GO (FOLHAPRESS) – Desde 2017, o comerciante Adenor do Nascimento Alves, 53, está num périplo em busca de uma circuncisão, também conhecida como cirurgia de fimose. A complicação no prepúcio dificulta a limpeza da genitália. Adenor também percebeu uma inflamação na região, que melhorou porque uma sobrinha dele, que era estudante de medicina, recomendou um medicamento.

Mas o ideal seria a cirurgia. Pelo menos foi isso o que recomendou um urologista. A operação, no entanto, ainda não aconteceu. “Entrei na regulação [em 2017] e nunca me chamaram”, diz o comerciante.

Em 2018, ele fez duas tentativas para saber em que pé andava a operação, mas sem respostas positivas -o recomendado foi esperar. Desde então, Adenor já aceitou que não vai conseguir pelo serviço público e planeja recorrer à iniciativa privada.

O caso dele não é único. Morador de Goiânia, ele entra na conta de 1.572 pacientes no aguardo pela cirurgia de fimose em Goiás. O dado foi enviado pelo estado ao Ministério da Saúde em meio a um programa para reduzir as filas do SUS de cirurgias eletivas, consideradas de menor risco para o paciente.

A pasta divulgou as informações fornecidas por Goiás no final de abril. No entanto, para todo o Brasil, o recebimento dos dados só foi finalizado no início de junho. Foi registrado mais de 1 milhão de procedimentos parados em todo o país, sendo o principal deles o de catarata –são mais de 167 mil na espera.

Goiás responde por 12% do total, com 125.894 procedimentos na fila. O número é o maior entre todas as unidades federativas, tanto no número absoluto quanto na proporção por 100 mil habitantes, que é de 1.747.

Mas essa alcunha não é muito aceita pelo secretário de estado da Saúde, Sérgio Vencio. Ele afirma que Goiás foi referência em contabilizar os dados de todos os municípios, algo que não teria ocorrido em outros estados. “Nós não temos a maior fila. Nós temos a única fila organizada.”

Já o Ministério da Saúde informou à reportagem que as unidades federativas precisaram compilar a fila prioritária das cirurgias eletivas seguindo diretrizes. Segundo o roteiro disponibilizado pela pasta, os estados, em acordo com os municípios, deveriam levar em conta “a realidade loco-regional considerando a heterogeneidade das necessidades de acesso da população”. Então, o plano era apresentado ao ministério e, só após a avaliação, poderia ser aprovado.

Por que Goiás tem essa fila?

Diferentes pontos explicam o contingente no estado -em alguns casos, esses motivos não são apenas regionais. Por exemplo, a cirurgia de catarata responde pelo maior número de pessoas na fila do SUS para procedimentos eletivos não só em Goiás, mas em todo o Brasil.

Isso pode ter relação com o envelhecimento da população, já que os riscos do problema da visão aumentam com o avanço da idade. A pandemia de Covid-19 também piorou a situação em todo o país, pois as cirurgias eletivas foram suspensas na crise sanitária.

Da realidade estadual, Vêncio menciona que há houve registro de corrupção para que pessoas furassem a fila. A comunicação com os pacientes acerca da posição que se encontram também não é das melhores e podem ocorrer alterações na colocação. Por isso, alguns pacientes podem até faltar quando são convocados por simples desconhecimento.

Cristiane Lemos, professora do Instituto de Ciências Biológicas da UFG (Universidade Federal do Goiás) e coordenadora do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) em Goiás, sugere que um problema do estado foi a implementação de organizações sociais nos hospitais estaduais.

“A promessa era de muita eficiência com organizações sociais […], mas a promessa está pouco cumprida, porque se organização social desse tão certo assim, não era para a gente está com a maior fila”, diz.

Em 2012, o Ministério Público de Goiás entrou com uma ação pública que põe em xeque a contratação de organizações sociais para gerir os hospitais estaduais. Umberto Machado de Oliveira, promotor à frente do caso, afirma que não é possível ter clareza que as organizações ocasionaram necessariamente um maior contingente de cirurgias eletivas. No entanto, a eficiência delas é questionada.

“Eu posso dizer, em nível global, que a gente não vê uma maior eficiência na prestação de serviços. A gente vê aumento de gastos, mas não pode dizer que há um aumento de eficiência”, resume o promotor.

Sobre o assunto, Vêncio afirma que, “como tudo, você tem organizações sociais excelentes e você tem organizações sociais péssimas” e reitera que “a vinda da parceria privada é muito boa, mas precisa haver um monitoramento”. No momento, a secretaria tenta implementar um modelo melhor para acompanhar a atuação das organizações.

O secretário ainda afirma que já existem outras duas formas de gestão dos hospitais estaduais: fundações, como uma vinculada à UFG, e OSC (organizações da sociedade civil). Também já acontece um estudo para implementar PPP (Parcerias Público-Privadas), além da criação de uma fundação da Secretaria de Saúde. Para esse último tipo, hospitais voltariam a ser geridos pelo governo.

O que Goiás está fazendo?

Vêncio mencionou algumas ações para melhorar o fluxo da fila. Uma delas é investimento financeiro. O programa do Ministério da Saúde para reduzir as filas prevê cerca de R$ 20 milhões para 40 municípios do Goiás. A ideia é que o estado disponibilize outro montante igual para dobrar o preço pago pela tabela SUS, o que agilizaria a realização dos procedimentos. Outros R$ 40 milhões devem ser direcionados aos municípios para as cirurgias, continua o secretário.

Ele também afirma que pretende mudar a volatilidade em que a posição dos pacientes na fila se altera. Além disso, menciona o desenvolvimento de um aplicativo que melhora o acesso das pessoas à informação da posição delas.

Sobre os casos de corrupção, Vêncio afirma que já houve operação policial para impedir que pessoas pulem a posição da fila. A regulação dessa fila, antes sob administração de uma organização social, voltou para a gestão do estado.

SAMUEL FERNANDES / Folhapress

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