JOANESBURGO, ÁFRICA DO SUL (FOLHAPRESS) – O CNA (Congresso Nacional Africano), histórico partido de Nelson Mandela, é o mais votado nas eleições ocorridas na quarta-feira (29) na África do Sul, mas pela primeira vez terá de formar aliança com alguma outra sigla para se manter no poder, como ocorre desde o fim do apartheid, em 1994.
Até as 20h20 desta sexta-feira (31), no horário de Brasília, a apuração já havia contabilizado 93,7% dos votos. O CNA tinha 40,82%, o que elimina matematicamente a possibilidade que ultrapasse os 50% necessários para governar sem precisar de coalizões. No pleito anterior, em 2019, obteve 57,5%.
Na África do Sul, os eleitores votam no partido, e a agremiação que obtém mais da metade dos votos válidos fica com o controle do Parlamento e indica o presidente da República. Nos últimos 30 anos, o chefe do Executivo sempre foi do CNA.
Em segundo lugar na disputa aparece a AD (Aliança Democrática), partido de centro-direita, com 21,60%, patamar ligeiramente superior ao que indicavam as pesquisas. Em 2019, a AD conseguiu 20,77%.
Na sequência vêm duas siglas populistas de esquerda que surgiram a partir de dissidências do CNA: o MK, do ex-presidente Jacob Zuma (2009-2018), com 14%, e o Combatentes da Liberdade Econômica (CLE), com 9,4%.
Com esse resultado, o CNA terá de escolher um caminho para continuar governando: uma aliança com a AD, o que daria uma feição moderada e pró-mercado ao governo, ou fazer o movimento oposto, coligando-se com um dos partidos populistas de esquerda, o que deve descredibilizar o país, visto que tanto o MK quanto o CLE defendem a estatização de boa parte dos serviços e do setor de mineração, importante para a economia.
Qualquer um desses cenários terá o efeito de um terremoto político, com repercussões em toda a África. Não é comum, afinal, um partido de libertação nacional, como é o CNA, ser rechaçado dessa forma pelos eleitores no continente.
Ainda existe a possibilidade de que o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, permaneça no poder, mas o resultado eleitoral decepcionante pode forçar o líder a renunciar uma possibilidade que a vice secretária-geral do CNA descartou em entrevista coletiva na noite de sexta-feira (31).
“Ninguém vai renunciar. Todos nós estamos seguros de que [Ramaphosa] precisa seguir no cargo de presidente do CNA”, disse Nomvula Mokonyane. “A liderança do partido vai se reunir, vamos consultar as bases. Por enquanto, essas conversas não começaram”.
O líder da AD, John Steenhuisen, por sua vez, disse que vai se encontrar com membros da aliança de oposição da qual faz parte, e não descartou uma coalizão com o CNA, apesar dos ataques feitos no período eleitoral. “A eleição aconteceu, agora vamos jogar com as cartas que os eleitores nos deram, e vamos analisar as opções”, afirmou à agência de notícias Reuters.
O CNA lida com um histórico de acusações por corrupção e incompetência na gestão do país. A África do Sul tem níveis recordes de desemprego e criminalidade, além de sérios problemas de infraestrutura, com sucessivos apagões, por exemplo.
A depender do impacto da derrota, o próprio presidente do país, Cyril Ramaphosa, pode ser sacrificado, bastando para isso uma decisão do partido. Nesse caso, o mais cotado para assumir o comando da legenda, e do país, seria seu vice, Paul Mashatile.
Os resultados finais devem ser divulgados pela comissão eleitoral no próximo domingo (2).
A votação na quarta-feira (29) teve filas longas e diversos problemas de organização, o que fez o horário nas zonas eleitorais ser estendido para além do previsto, de 21h.
O comparecimento deve ficar em 58%, um pouco abaixo das projeções iniciais, de que poderia passar de 60%. Isso pode ser atribuído em parte ao fato de que muitos desistiram de ir às urnas em razão do caos nos centros de votação.
FÁBIO ZANINI / Folhapress