SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mesmo tendo o costume de escrever um livro atrás do outro, o britânico Matt Haig precisou de um ano para conseguir esvaziar a mente e imaginar a história de “A Vida Impossível”. Passou esse tempo aturdido com o sucesso de “A Biblioteca da Meia-Noite”, lançado no início da pandemia de Covid-19, ocasião que foi ideal para as vendas do livro dispararem.
É a história de uma mulher em depressão profunda que tenta se matar e fica presa numa espécie de plano espiritual, onde pode experimentar as vidas que poderia ter tido caso tivesse tomado decisões diferentes. No caos da pandemia, o romance encontrou apelo num contingente enorme de gente melancólica em busca de migalhas de positividade, e com tempo de sobra para ler.
No Brasil, “A Biblioteca da Meia-Noite” não sai da lista dos dez mais vendidos de ficção desde 2022, segundo o site PublishNews, que monitora o mercado literário do país. E o interesse só cresce este ano, o livro ocupa sua melhor posição no ranking, em segundo lugar.
Com a popularidade, vieram também as críticas. No ano passado, o youtuber Felipe Neto detonou a obra no Instagram, chamando-a de “tragédia da literatura, raso e livreto caça-níquel de autoajuda barata” e disse que quem tinha gostado dele deveria ler mais.
“A opinião dele é ruim porque está errada”, rebate Haig, em entrevista por vídeo. “Não tenho problema com pessoas que odeiam meu trabalho. O problema é quando a crítica esnoba os fãs da obra. Já há tanta arrogância em torno de livros, especialmente no meu país.”
Em conversa com o influenciador literário Paulo Ratz, Felipe Neto reconheceu ter sido duro com o romance, mas reiterou sua opinião, e explicou que considera perigosa a forma como a obra discute saúde mental.
O problema, para ele, é que a protagonista melhora da depressão a partir de uma jornada de autoanálise, sem ajuda de um terapeuta ou psiquiatra, o que, ainda segundo ele, pode passar a mensagem errada para leitores que também tenham depressão.
O escritor, por sua vez, volta a se defender, e diz que a personagem tem, sim, auxílio terapêutico, materializado na figura da bibliotecária que comanda o recinto do nome ao livro. “Ela vive vidas diferentes acompanhada desse guia, que causa nela uma mudança de perspectiva”, diz. “Se não acreditamos que as perspectivas de cada pessoa podem mudar, então qual é o ponto de se fazer terapia?”
Haig sabe do interesse das pessoas por uma sequência de “A Biblioteca da Meia-Noite”, mas foi outra ideia que o fez quebrar um hiato da escrita. No novo “A Vida Impossível”, a idosa Grace Winters herda uma casa em Ibiza de uma mulher que mal conhecia. Desesperançosa e sozinha no mundo, ela decide ir até lá para ver o que a vida lhe reserva.
O livro tem muito a ver com a pandemia, afirma o autor, época em que ele foi incentivado na terapia a visitar Ibiza e encarar traumas do passado. Na ilha espanhola, trabalhando num bar com 20 e poucos anos, Haig passou por um período marcado pela depressão, agravada pelo consumo excessivo de bebidas e de drogas o que quase culminou em suicídio.
“Eu via gente fumando cocaína de manhã, então pensava que não estava fazendo escolhas tão ruins assim. Eu podia até não estar tão louco para os padrões de Ibiza, mas estava para os meus”, ele diz, hoje aos 49 anos. “Eu tive um colapso, voltei para Londres, e passei meses entre os ataques de pânico e a depressão.”
Por anos, Haig não podia ouvir nem falar na ilha. Ele conta que só começou a se curar do medo quando tomou coragem para revisitar o penhasco de onde quase pulou para morrer, e que então terminou de exorcizar as angústias durante a escrita de “A Vida Impossível”.
O livro, publicado aqui primeiro pelo clube de assinaturas da TAG Inéditos, que no mês que vem chega às livrarias pela Bertrand Brasil, virou uma espécie de prova de fogo para Haig.
“Eu já tinha escrito muito antes, então sei como é ter obras que ninguém lê”, diz ele, que tem no currículo mais de 20 obras, entre títulos infantis, de ficção adulta e de autoajuda. “E aí, de repente, ‘A Biblioteca da Meia-Noite’ estava em todo lugar e todo mundo tinha opiniões sobre ele. Sinto que deveria ter sido mais grato por isso, mas na verdade era insalubre.”
A VIDA IMPOSSÍVEL
– Preço R$ 59,90 (378 págs.); R$ 39,90 (ebook)
– Autoria Matt Haig
– Editora Bertrand Brasil
– Tradução Juliana Romeiro
GUILHERME LUIS / Folhapress