Com sensação térmica de 60°C, Guaratiba é a região que mais cresce no Rio de Janeiro

RIO DE JANEIRO, RJ E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma banca de temperos na chegada ao píer da Pedra de Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro, é a nova esperança do feirante Robson Rodrigues, 56. Após o divórcio, ele se mudou para a região e resolveu apostar na barraca de condimentos que montara no cartão postal do bairro.

“É o meu primeiro dia. Antes eu vendia em feiras, agora decidi me instalar aqui porque é calmo e promissor”, disse. Ele conta que vive há cinco anos na localidade conhecida como Magarça e, que, nesse período, tem notado crescimento da região.

“O tempo que eu moro aqui, percebi muita gente chegando para morar, construindo casa e abrindo comércio”, afirmou o feirante.

Não é só uma percepção. Dados preliminares dos setores censitários do Censo 2022, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quinta-feira (21), mostram que o subdistrito de Guaratiba cresceu 44,3%, liderando o ranking em toda cidade do Rio.

A região chegou ao ano retrasado com 176.929 moradores, 53 mil a mais do que os 123.114 moradores registrados no Censo de 2010.

Ao lado da mais nova banca de temperos da região, a aposentada Maria Iara Pereira da Silva, 67, prestava apoio ao feirante Robson, com a experiência de quem vive ali há 30 anos.

Apontando para uma fileira portões de madeira, ela mostrava sua casa e as dos quatro dos sete filhos que moram ao seu lado. Iara, como gosta de ser chamada, disse que criou todos, junto de seu falecido marido, com a pesca, atividade histórica local.

“Criei meus filhos, hoje todos adultos, com a pescaria. Por isso eu gosto daqui, porque aqui nós conseguimos nosso próprio sustento. Além disso, todos se ajudam, é uma grande comunidade”, disse.

Às margens do rio Piraquê, novas casas rasgam o manguezal modificando a paisagem de 445 anos —a região começou a ser povoada em 1579.

Devido à sua grande extensão territorial, Guaratiba é dividida em sub-regiões ou sub-bairros, são eles Ilha de Guaratiba, Monteiro, Largo do Correia, Carapiá, Magarça, Mato Alto, Abc, Cinco Marias, Piraquê, Matriz, Largo do 40, que junto de Pedra de Guaratiba e Barra de Guaratiba, formam uma região administrativa da cidade do Rio.

Alguns séculos antes de ser disputado pelas áreas verdes e as praias, o subdistrito de Guaratiba era uma área que foi dividida em duas sesmarias, dadas pela coroa portuguesa a capitães que ajudaram a expulsar os invasores franceses do Rio.

Também foi na área verde que se refugiou, nos anos 1970, o paisagista Roberto Burle Marx, cujo sobrenome batizou o sítio de 405 mil metros quadrados.

Todas as sub-regiões e sub-bairros ainda dispõem de grandes áreas desocupadas e com previsões para loteamentos futuros, que apresentam, em sua maioria, uma vegetação rasteira, apicum e grandes manguezais.

A expansão imobiliária ilegal, ou a tentativa, com desmatamento e loteamentos clandestinos, costumam ser alvo de ações da prefeitura carioca e do Ministério Público.

Mas as informações que tornaram o bairro mais conhecido no Brasil foram as meteorológicas, pela sensação térmica de 62,3°C no último domingo.

“Apesar de ter muita vegetação, muitas árvores, está cada vez mais quente aqui. Vem chegando mais gente pra região e o calor também vai aumentando. Ainda bem que estamos próximo da praia, porque está insuportável”, disse o estudante Evandro Cerdeira, 25.

Os registros da região são feitos pelo sistema Alerta Rio, da prefeitura, que compara as marcações com as demais estações espalhadas pela cidade.

A região tem um histórico de ser quente, segundo o professor de geografia Andrews Lucena, do Instituto de Geociências da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, por causa da formação física, confinada entre dois maciços (áreas montanhosas).

“O ar que desce é quente e fica parado, ele entra pelo Mendanha e fica retido pela Pedra Branca”, diz Andrews.

Mas a temperatura é um dos componentes da sensação térmica, que é calculada também a partir de umidade e vento. “Não à toa, tem batido a casa dos 60°C de manhã, porque à tarde tem muito aquecimento, já evaporou, perdeu umidade. Provavelmente o vento está fraco e a umidade está lá em cima.”

Mas a variação também é grande. As máximas costumam ser registradas no local pela manhã, quando há influência de ventos quentes. No período da tarde, com a entrada da brisa marítima, a temperatura pode cair mais de 7°C em apenas uma hora.

Enquanto Guaratiba ganha atenção, a fama de Bangu como local mais quente do Rio perdeu a prova dos dados a partir de 2004, quando a estação do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) foi desativada.

As áreas de expansão, no entanto, convivem com infraestrutura precária e inundações que se repetem a cada ano. Quem vive no Jardim Maravilha ou no Piraquê, loteamentos de Guaratiba que ficam debaixo d’água nas chuvas fortes, sabe na pele o elevado custo social que isso significa.

Questionada sobre as ações para sanar o problema, a prefeitura do Rio não respondeu até a publicação deste texto.

Moradora de Guaratiba há quase 30 anos, Malu Barbosa, 70, disse que perdeu e ainda não conseguiu recuperar o que tinha em uma enchente em 2018. Após o desastre, ela deixou a casa no Jardim Maravilha e passou a morar de aluguel perto do Magarça.

Apesar dos problemas citados, Malu disse que a região se destaca pela calmaria por ser distante dos centros urbanos. “Ainda é tranquilo se comparado com outros lugares do Rio. Mas também essa briga de criminosos pelo controle da região tem crescido e assustado a gente que sempre viveu aqui”, afirmou.

Guaratiba, assim como toda a zona oeste, está numa escalada de violência por causa da guerra entre milicianos e traficantes.

Um relatório do Instituto Fogo Cruzado mostrou que em 2023, a zona oeste registrou 860 tiroteios, um aumento de 53% em comparação com 2022.

Apesar dos números, há quem procure a região em busca de tranquilidade. É o caso do comerciante Wellington Rodrigues, 31, que se mudou com a mulher e o filho para Guaratiba para, segundo ele, fugir da violência da comunidade Pavão-Pavãozinho, na zona sul do Rio.

“Achamos aqui ideal para abrir meu negócio e também por ser um lugar mais calmo, perto da natureza também. Tem violência, mas é menos. Eu sei como é estar perto de operação, tiroteio”, disse ele que abriu uma mercearia em meados do ano passado e já ampliou o espaço.

ALÉXIA SOUSA E LUCAS LACERDA / Folhapress

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