BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Seis meses após a morte da intelectual argentina Beatriz Sarlo, uma reviravolta pode complicar a disputa em torno da sua herança. Melanio Meza López, zelador que cuidava do prédio onde ela morava em Buenos Aires, apresentou à Justiça um testamento manuscrito, que ele alega ser de autoria dela.
Ele afirma ser o herdeiro do apartamento da autora, um imóvel que ocupa todo o oitavo andar de um edifício de classe média no bairro de Caballito.
Uma das intelectuais mais importantes do país, Sarlo se deixou fotografar diversas vezes em entrevistas que deu na sala ou na biblioteca do imóvel, que fica em uma tradicional região da cidade. Em uma entrevista recente, ela aparece sorrindo em um dos cômodos amplos, de paredes claras, cercada por livros.
Na tarde desta quarta-feira (25), a quadra que termina em uma ponte sobre a ferrovia Sarmiento estava mais tranquila que nos dias anteriores agora sem câmeras que contam a história da herança de Sarlo para os programas vespertinos. A TV associa o caso ao seriado argentino “Meu Querido Zelador”, estrelado por Guillermo Francella e cujo enredo lembra a vida real.
A reportagem tentou, sem sucesso, entrar em contato com o zelador por meio do interfone do edifício. Ele não aparece no condomínio desde que o caso ganhou repercussão, diz um dos moradores.
Sarlo, que escreveu obras importantes, como “Cenas da Vida Pós-Moderna” e “Jorge Luis Borges, um Escritor na Periferia”, morreu aos 82 anos, em dezembro do ano passado.
López apresentou dois documentos em que ela supostamente designa a ele a responsabilidade pelos cuidados de sua gata, Nini, e pelo apartamento, ambos com assinaturas. São dois textos manuscritos na mesma folha, onde aparecem os números dos documentos de Sarlo e López.
“Eu, Beatriz Sarlo […] Quero certificar meu testamento de que, em caso de desaparecimento ou outro acidente, minha gata Nini fique sob os cuidados de Alberto Meza […]. Eu certifico com minha assinatura”, diz uma das cartas.
O segundo manuscrito, de 2 de agosto do ano passado, indica: “Alberto Meza, você está no comando do meu apartamento após minha morte e também é responsável pela minha gata Nini, que aprecia tanto quanto eu a aprecio e valorizo.”
A autenticidade ainda será verificada por um perito de caligrafia indicado pelo juiz Carlos Hugo Goggi.
A revelação frustrou os planos do ex-marido de Sarlo, o arquiteto Alberto Sato Kotani, e do círculo próximo à escritora, que queriam usar os bens da intelectual para criar um fundo cultural em nome dela.
Kotani casou-se com Sarlo em 1966. O casal não teve filhos e, após décadas vivendo no Chile, ele voltou à Argentina em dezembro para autorizar a cremação dos restos mortais da ensaísta. A Justiça, no entanto, o excluiu do processo de inventário, apesar de os dois nunca terem se divorciado oficialmente.
O círculo próximo da ensaísta pede a reintegração de Sato como herdeiro, citando seu vínculo com a escritora até seus últimos meses de vida, além de querer proteger seu arquivo e biblioteca.
Família e amigos também alegam que discos que pertenciam a Sarlo foram postos à venda, implicando que López estaria envolvido, já que ele tinha acesso irrestrito ao apartamento.
O futuro do patrimônio de Sarlo pode ser decidido a partir da intervenção do procurador-geral da cidade de Buenos Aires, Martín Ocampo.
Caso a reivindicação do zelador seja considerada inválida, e a exclusão de Kotani mantida, a cidade de Buenos Aires se tornará beneficiária do patrimônio da escritora.
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress
