BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, recebeu pouco mais de R$ 1 milhão ao ir para a reserva em 2023. O valor é composto por uma verba indenizatória de R$ 394 mil e férias atrasadas no valor de R$ 216 mil, pagas em janeiro do ano passado, além de outros recursos indenizatórios de R$ 444,5 mil, recebidos no mês seguinte. As informações são do Portal da Transparência.
O montante inclui uma série de benefícios acumulados durante a carreira, previstos na legislação brasileira, como uma ajuda de custo para a passagem à reserva que chega a R$ 300 mil.
A Marinha divulgou um vídeo em homenagem ao dia do Marinheiro que criou polêmica ao comparar a vida civil à militar e ao ironizar a existência de privilégios na Força. A versão final da película passou por diversas alterações, a pedido do almirante Olsen, para exaltar o empenho dos militares e reforçar a ideia da caserna de que a carreira não tem privilégios.
O vídeo desagradou o presidente Lula (PT), segundo auxiliares. A principal queixa é que a peça da Marinha serviu como uma resposta ao pacote de corte de gastos proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que atinge os militares com a fixação de uma idade mínima de aposentadoria e a extinção dos mortos fictícios.
Procurada, a Marinha disse que o pagamento de militares no País obedece rigorosamente o arcabouço legal vigente e suas atualizações, a seguir: Medida Provisória nº 2.215, de 31 de agosto de 2001, o Decreto nº 4.307, de 18 de julho de 2002 e a Lei nº 13.954, de 16 dezembro de 2019.
Entenda os principais benefícios aos quais os militares têm direito.
SALÁRIO INTEGRAL NA APOSENTADORIA
Os militares das Forças Armadas têm direito à integralidade e à paridade na reserva. Isso significa que, ao se aposentarem, eles continuam recebendo o salário integral e os mesmos reajustes que os oficiais e praças no serviço ativo.
Os servidores públicos, em regra, tinham o direito à aposentadoria integral até o final de 2003. Os militares conseguiram manter o benefício durante a discussão no Congresso Nacional sobre mudanças no Sistema de Proteção Social das Forças Armadas em 2019, quando foi realizada uma reforma branda nas regras de aposentadoria das Forças Armadas.
Em documento elaborado pela Secretaria de Economia e Finanças do Exército, os militares apontam a integralidade e a paridade como benefícios fornecidos como contraponto a outras regras prejudiciais da carreira.
Militares não têm direito a hora extras, não podem fazer greves nem receber adicional noturno. “A integralidade e a paridade dos vencimentos dos militares são ações afirmativas por parte do Estado brasileiro, que visam a garantir a igualdade material e a isonomia entre civis e militares”, diz o texto do Exército.
PASSAGEM PARA RESERVA
Todo militar que vai para a reserva remunerada, além de manter o salário integral, recebe uma série de benefícios que podem superar R$ 1 milhão nos casos de oficiais-generais. Todos os privilégios são previstos em legislação.
O principal benefício é a licença especial, regra segundo a qual cada militar pode tirar seis meses de férias a cada dez anos trabalhados. Se o militar não tirar o descanso, ele receberia um valor turbinado referente aos meses de licença.
Esse benefício foi derrubado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 2001. Os oficiais-generais que se aposentam nesta década, porém, mantêm o direito de receber os recursos das licenças especiais não gozadas até o início do século.
Como reação ao fim da licença especial, os militares conseguiram aprovar no Congresso, em 2019, o aumento de um benefício pago a título de ajuda de custo para quem passa à inatividade.
O valor equivale a oito salários. No caso de oficiais-generais, o montante pode chegar a R$ 300 mil.
TEMPO DE SERVIÇO
Um militar tem hoje o requisito mínimo de 35 anos de serviço para poder se aposentar. O tempo foi estipulado na reforma da previdência dos militares de 2019. O tempo mínimo antes era de 30 anos, contando os cursos de formação, como a Aman (Academia Militar de Agulhas Negras).
Entretanto, diversas regras criam exceções a esses princípios gerais. Uma delas é a redução do tempo de serviço a cada ano que um militar passa em região de difícil acesso e permanência, como a selva amazônica.
O resultado, de acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), é que um integrante das Forças Armadas deixa a ativa em média com 48 anos. Nas Forças Armadas, a conta é de que os militares vão para a reserva com cerca de 50 anos.
O governo Lula discute definir em 55 anos a idade mínima para aposentadoria dos militares. Segundo o acerto com as Forças, deve haver uma regra de transição até 2032 até as mudanças passarem a valer em definitivo. Até lá, os militares terão de pagar um pedágio de 9% para ir à reserva.
AJUDA DE CUSTO PARA MOVIMENTAÇÕES
Oficiais e praças das Forças Armadas ganham uma ajuda de custo a cada mudança de cidade. O recurso, porém, não é calculado com base nas despesas exigidas para a transferência de local de trabalho, já que o gasto com a mudança é pago pela própria Força.
A ajuda de custo é calculada com base no salário do militar. Ela equivale a dois ou quatro salários –depende da cidade de onde sai e para onde vai.
Por ser calculado com base no salário, o pagamento sofre grandes variações entre integrantes da carreira. O valor pode ser de R$ 7.000 para um cabo e chegar a R$ 150 mil para oficiais-generais de quatro estrelas.
PENSÕES MILITARES
Depois de morrer, militares deixam pensões no valor de um salário mensal para esposas e filhos. Têm direito o cônjuge e os filhos com menos de 21 anos –eles podem manter o benefício até os 24 se comprovarem que ainda estão estudando.
O custeio da pensão é de encargo do Tesouro Nacional e é complementado pelas contribuições do militar e de seus pensionistas –esta última obrigação foi incluída na reforma de 2019.
As pensões eram vitalícias para filhas solteiras de militares até 2001, quando Fernando Henrique Cardoso excluiu essa possibilidade. A regra, porém, ainda vale para os militares que entraram nas Forças Armadas antes do decreto de FHC; como contrapartida, eles pagam 1,5% do salário mensalmente para manter o benefício.
A justificativa para a existência do benefício está na mobilidade da profissão. Os militares alegam que as peculiaridades da carreira levam a mudanças constantes de local de trabalho, o que atrapalha o cônjuge a ter uma carreira fixa.
Em 2024, os valores pagos para pensões pela Marinha foram de R$ 5,5 bilhões, o segundo maior sub-elemento de despesa (uma das formas de categorizar o gasto público). O primeiro lugar é dos proventos para o pessoal militar, com R$ 5,9 bilhões pagos no mesmo período.
AUXÍLIO-FARDAMENTO
Militares têm o direito ao auxílio-fardamento, que é do valor de um soldo e é pago em subidas de posto, entre outros critérios. Em 2023, a Marinha destinou R$ 109 milhões para esses gastos. Em 2024 já foram R$ 118 milhões até 9 de dezembro.
LUCAS MARCHESINI E CÉZAR FEITOZA / Folhapress