BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O comandante do Exército, general Tomás Paiva, reforçou nesta sexta-feira (19) os apelos das Forças Armadas por previsibilidade orçamentária durante evento com o presidente Lula (PT).
“A previsibilidade orçamentária é fundamental para fortalecer a Base Industrial de Defesa e aumentar a capacidade de dissuasão em um mundo multipolar, no qual os conflitos bélicos são uma realidade”, disse.
As declarações foram dadas durante a cerimônia militar em comemoração ao Dia do Exército e integram a Ordem do Dia, texto divulgado para todos os militares. Segundo o comandante, a previsibilidade no orçamento é ainda importante para “aprimorar o valor do soldado por meio do treinamento eficaz e da dotação de materiais de emprego militar modernos”.
Os pedidos dos setores militares pela fixação de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) para os gastos do Ministério da Defesa são antigos. Eles têm, como fundamento, a meta orçamentária que a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) definiu para seus países-membros dos quais o Brasil não faz parte.
A Marinha articulou com o senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do principal partido de oposição ao governo Lula, a apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre o tema.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou na quarta-feira (17) que a meta orçamentária é “muito grande” para o Brasil. Ele defendeu, porém, que a proposta seja aprovada com algum percentual, para que as Forças Armadas tenham previsibilidade para definir seus gastos.
Lula foi recebido com vaias por parte do público civil que acompanha a cerimônia militar do Dia do Exército, em Brasília. Em resposta, apoiadores cantaram músicas de apoio ao petista.
Essa é a primeira vez desde a posse que opositores de Lula mostram contrariedade com a presença do presidente em eventos militares utilizados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para manter o confronto com o STF (Supremo Tribunal Federal) e o petista.
O público presente na cerimônia do Dia do Exército se dividiu em duas tendas posicionadas no mesmo local em que, em 2022, apoiadores do ex-presidente acamparam em súplica por um golpe militar.
Durante a leitura da Ordem do Dia, Tomás Paiva reforçou a concepção de que o Exército está firmado em “eternos […] ideais democráticos”.
“No dia de hoje, ao completar 376 anos de glórias, a Força Terrestre reafirma o eterno compromisso com a Nação brasileira em defesa da Pátria e dos mais caros ideais democráticos, mesmo com o sacrifício da própria vida. Pagamos um alto preço em vidas humanas para honrar nosso juramento.”
A declaração foi feita enquanto generais da reserva e oficiais de diversas patentes são investigados pela Polícia Federal sob suspeita de uma trama por um golpe de Estado contra a eleição de Lula no fim de 2022.
Segundo depoimentos colhidos na investigação, os ex-comandantes Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica) foram contrários às intenções golpistas apresentadas a eles por Bolsonaro e o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.
Ex-chefe da Marinha, o almirante Almir Garnier teria apresentado apoio às propostas que buscavam reverter o resultado eleitoral, de acordo com a investigação.
Enquanto esperavam Lula chegar à cerimônia do Exército, autoridades que ocuparam o tablado principal trocavam afagos e cumprimentos. O ministro da Defesa conversou ao pé do ouvido com o vice-presidente do governo Jair Bolsonaro, general Hamilton Mourão.
O ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas chegou cerca de 20 minutos antes da solenidade. O general sofre de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), uma doença degenerativa que tirou-lhe os movimentos.
A esposa de Villas Bôas, Cida, também participou do evento. Como a Folha mostrou, a atuação da cônjuge do general atiçando apoiadores bolsonaristas que pediam um golpe militar foi um estorvo para parte dos generais, em 2022.
Estes avaliavam que os vídeos da esposa de Villas Bôas entre os bolsonaristas inflamavam ainda mais os radicais enquanto a maioria do Alto Comando do Exército atuava nos bastidores para comunicar que não endossaria uma ruptura institucional.
A presença de Lula em eventos militares passou a ser constante após o presidente e Múcio articularem um movimento de reaproximação do petista com os chefes das Forças Armadas.
A estratégia do presidente de promover uma conciliação com as cúpulas militares envolveu uma série de ações de Lula para evitar que integrantes do PT e ministros do próprio governo tentassem enquadrar os homens de farda.
Os primeiros sinais da acomodação foram emitidos quando o presidente decidiu se opor à proposta do Partido dos Trabalhadores de aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que alterasse o artigo 142 da Constituição, que define os papeis das Forças Armadas na democracia.
O plano dos parlamentares de esquerda era extirpar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) das atribuições dos militares, retirando-os da segurança pública. Seria uma forma ainda de enterrar leituras golpistas sobre as Forças terem um papel moderador na República tese que foi derrubada por unanimidade no STF (Supremo Tribunal Federal).
Lula ainda optou pela harmonia com os chefes militares ao determinar que seu governo não fizesse menção aos 60 anos do golpe militar de 1964. Eventos organizados pelo Ministério dos Direitos Humanos, de Silvio Almeida, acabaram cancelados às vésperas do 31 de março de 2024.
Em audiência na Câmara na última quarta-feira (17), o ministro José Múcio afirmou aos deputados que foi convidado por Lula para assumir a pasta da Defesa para buscar harmonia entre o governo eleito e as Forças Armadas. “O presidente Lula me trouxe para isso, para conciliar”, disse Múcio.
No Dia do Exército do último ano, Lula se encontrou pela primeira vez com o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas desde que o general publicou em rede social texto em que pressionava a Suprema Corte contra o julgamento, em 2018, de habeas corpus que poderia tirar o petista da prisão.
O presidente não interagiu com o general, que ficou na fileira principal das autoridades, mas em cadeira na última coluna à esquerda do palco. Lula, no centro, não cumprimentou o ex-comandante.
A cerimônia desta sexta foi a primeira realizada pelo Comando do Exército desde que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidiu que os militares investigados pelas articulações golpistas no fim de 2022 fossem proibidos de participar de eventos militares.
A decisão atingiu uma série de oficiais-generais que, apesar de terem saído do governo com Jair Bolsonaro, ainda mantêm relações com as cúpulas militares e participavam, eventualmente, das cerimônias.
É o caso dos generais Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira. Ex-chefe do Comando de Operações Terrestres, o general Estevam Theophilo estava no Alto Comando do Exército até o último ano investigado pela Polícia Federal, porém, também teve de se ausentar dos eventos da Força.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress