Comissão global propõe mudanças no diagnóstico de obesidade, restringindo uso do IMC

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores de diversos países, inclusive do Brasil, defendem uma reformulação no diagnóstico da obesidade. Segundo eles, o IMC (índice de massa corporal) não é confiável se for o único parâmetro para definir a doença. A métrica não é uma medida direta de gordura, não reflete sua distribuição ao redor do corpo e nem fornece informações sobre saúde e doença no nível individual, dizem.

A recomendação dos especialistas é que o método seja usado apenas como uma medida substituta de risco à saúde em nível populacional, para estudos epidemiológicos ou fins de triagem. Atualmente, são considerados com sobrepeso aqueles que têm IMC igual ou maior do que 25. Trata-se de obesidade qual o índice é igual ou acima de 30.

Na nova abordagem, além do IMC, deve-se considerar a análise do acúmulo de gordura corporal e componentes clínicos.

O assunto deu origem a um artigo da Comissão sobre Obesidade Clínica, publicado nesta terça (14), na revista The Lancet Diabetes & Endocrinology.

A Comissão envolveu 58 representantes globais de especialidades como endocrinologia, medicina interna, cirurgia, biologia, nutrição e saúde pública, além de pessoas com obesidade. A discussão é endossada por 75 organizações médicas ao redor do mundo.

Para a análise de medição de gordura corporal e sua distribuição pelo corpo, a comissão recomenda um dos métodos abaixo:

Pelo menos uma medição do tamanho corporal (circunferência da cintura, relação cintura-quadril ou cintura-altura) em complemento ao IMC; Ao menos duas medições do tamanho corporal, independentemente do IMC; Medição direta da gordura corporal (por meio de densitometria óssea ou Dexa), independentemente do IMC; Em pessoas com IMC muito alto –por exemplo, maior que 40–, pode-se presumir a presença de adiposidade. Além disso, o grupo também propõe um novo modelo de diagnóstico de doenças relacionadas à obesidade, em que são utilizadas duas categorias: pré-clínica e clínica.

“Agora, obesidade é definida como o tamanho da pessoa. E o que nós fizemos foi defini-la como doença crônica e progressiva, com sinais e sintomas pertinentes”, diz Ricardo Cohen, coautor da publicação, chefe do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e presidente mundial da IFSO (Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade e Distúrbios Metabólicos).

” E obesidade pré-clínica é aquela que não tem os sinais e sintomas. Apesar do IMC mais alto, do excesso de adiposidade, o paciente simplesmente tem um fator de risco [relacionado] à sua doença. E isso faz com que as estratégias para ele mudem. Quem tem obesidade clínica tem que ser tratado imediatamente. Quem tem a pré-clínica precisa passar por estratégias de prevenção, dependendo do seu risco”, afirma Cohen.

Os autores estabelecem 18 critérios de diagnóstico para obesidade clínica em adultos e 13 para crianças e adolescentes (vide abaixo).

Segundo Cohen, a nova metodologia é aplicável em qualquer lugar do mundo, mas os fatores de risco podem ser diferentes a depender da região. “Cada risco dos pacientes, na obesidade pré-clínica, por exemplo, difere de quem mora no Brasil e na Índia. A medicina hoje é de precisão, individualizada”, declara o pesquisador.

“A comissão global oferece um diagnóstico mais refinado e preciso do que significa viver com obesidade. Essa distinção é crucial, pois reconhece que nem todas as pessoas com excesso de gordura corporal possuem uma doença instalada no momento do diagnóstico. No entanto, muitas estão em risco e necessitam de acompanhamento adequado.”

O que dizem os especialistas

Para Paulo Augusto Carvalho Miranda, coordenador da Comissão Internacional da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), a junção de medidas antropométricas com uma análise clínica individualizada humaniza mais o diagnóstico e facilita a implantação de melhores protocolos de tratamento e de alocação de recursos.

“Esse é um documento internacional. Acho que o papel dos especialistas e das entidades governamentais do país seria se debruçar sobre esse tema e discutir mais profundamente para que possamos fazer um documento nacional que se adapte às nossas condições de recurso”, afirma o endocrinologista.

Na opinião de Cynthia Valério, diretora da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), a nova abordagem é um avanço.

“Contar apenas com o IMC para definir pessoas com obesidade é insuficiente e com limitações. Você deixa de tratar muitas pessoas e acaba tratando aquelas que não têm tanta indicação assim”, diz a médica.

Sobre os critérios para a definição de obesidade, a especialista propõe que sejam revistos e aprimorados.

“Algumas das definições são mais subjetivas ou, em alguns casos, insuficientes e que vão depender da avaliação clínica. E isso tem a ver também com a visão do médico em relação ao paciente. Enfim, não são critérios tão objetivos”, declara Valério.

IMC

A fórmula para medir o IMC nasceu graças ao matemático, astrônomo e estatístico belga Lambert Adolphe Quetelet, em 1832. Seu interesse não era em obesidade. Quetelet queria entender como as tendências probabilísticas se refletiam nas populações humanas e começou a estudar a relação entre altura e peso. A métrica foi adotada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) nos anos 1970.

Para calculá-lo, basta dividir o peso pela altura ao quadrado. Segundo a Abeso, o resultado pode ser classificado da seguinte forma:

Abaixo do normal: menor ou igual a 18,5 kg/m²

Normal: entre 18,6 e 24,9 kg/m²

Sobrepeso: de 25 a 29,9 kg/m²

Obesidade grau 1: 30 a 34,9 kg/m²

Obesidade grau 2: 35 a 39,9 kg/m²

Obesidade grau 3: maior ou igual a 40 kg/m²

Critérios de diagnóstico para obesidade clínica segundo nova publicação

ADULTOS

Sinais de aumento da pressão intracraniana, como perda de visão e/ou dores de cabeça recorrentes;

Apneia/hipopneia durante o sono;

Falta de ar e/ou chiado;

Insuficiência cardíaca;

Fibrilação atrial crônica;

Hipertensão arterial pulmonar;

Fadiga crônica;

Trombose venosa profunda recorrente e/ou doença tromboembólica pulmonar;

Aumento da pressão arterial;

Altos níveis de triglicerídeos e baixos níveis de colesterol HDL;

Esteatose hepática não alcoólica;

Microalbuminúria com redução da TFG (taxa de filtração glomerular);

Incontinência urinária recorrente/crônica;

Ausência de ovulação, alteração do ciclo menstrual e síndrome dos ovários policísticos;

Hipogonadismo masculino;

Dor crônica e intensa no joelho ou quadril associada à rigidez articular e redução da amplitude de movimento articular;

Linfedema nos membros inferiores causando dor crônica e/ou redução da amplitude de movimento;

Limitações das atividades do dia a dia.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Perda de visão e/ou dores de cabeça recorrentes;

Apneias/hipopneias durante o sono devido ao aumento da resistência das vias aéreas superiores;

Falta de ar e/ou chiado;

Aumento da pressão arterial;

Conjunto de hiperglicemia/intolerância à glicose com perfil lipídico anormal (níveis elevados de triglicerídeos ou colesterol LDL alto ou colesterol HDL baixo);

Aumento das enzimas hepáticas devido à doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica microalbuminúria tenal;

Incontinência urinária recorrente/crônica;

Síndrome dos ovários policísticos;

Dor recorrente/crônica ou tropeçar/cair devido a pé plano ou mau alinhamento das pernas;

Dor recorrente/crônica ou limitação de mobilidade devido adistúrbio assimétrico da tíbia que causa deformidade;

Dor aguda e/ou recorrente/crônica, ou limitação de mobilidade, ou tropeçar/cair devido a epífise capital femoral escorregada;

Limitações das atividades do dia a dia.

PATRÍCIA PASQUINI / Folhapress

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