Como a artista Marta Minujín enfrentou ditaduras com pop chocante e luz neon

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Você sabia que eu tenho 80 anos?” pergunta Marta Minujín, enquanto retoca o batom vermelho em frente ao espelho do elevador no luxuoso hotel Renaissance, em São Paulo.

De cabelos platinados, ela não tira o Ray-Ban rosê espelhado estilo aviador em nenhum momento, tampouco borra a maquiagem. “Eu me sinto uma estrela do rock”, diz, dirigindo-se ao hall que ecoa as pisadas de seus saltos.

A artista plástica argentina está na cidade para a abertura de sua primeira mostra panorâmica no Brasil, “Marta Minujín: Ao Vivo”, que ocupará sete salas da Pinacoteca -nada além do esperado para aquela que, a partir da década de 1960, conquistou fama internacional com happenings desafiadores e esculturas extravagantes.

Com 17 metros de altura, “Escultura de los Deseos”, ou a escultura dos desejos, é a primeira a cativar o olhar do visitante. O inflável hipercolorido e instagramável foi posto em frente à Pinacoteca, após seu sucesso no Lollapalooza argentino de 2019. “Marta tenta fazer a arte intensificar as formas da vida, inclusive como criadora no imaginário público urbano”, explica a curadora Ana Maria Maia.

O inflável é como uma réplica gigante das esculturas abstratas feitas com colchões retorcidos e pintados em cores vibrantes, que se tornaram a marca registrada da artista já nas décadas de 1960 e 1970, quando ela buscava se distanciar da pintura e se apropriar de materiais industriais para aproximar a arte das dinâmicas cotidianas.

“As obras trazem muito da vivência da psicodelia e do movimento hippie”, explica a curadora. Antes desenhadas no papel em cores fosforescentes, elas parecem ganhar vida, espalhadas pelo teto, paredes e chão da sala que ocupam na exposição.

“A vida de uma pessoa se passa 50% na cama. Se dorme, se faz amor, se nasce, se mata ou estrangula. É um evento da vida”, diz Minujín, sobre a escolha dos colchões como material de suas criações. Em 1973, ela construiu um cubo branco penetrável com cerca de 200 colchões retirados de um hotel abandonado de Washington D.C.

“Era um hotel chique que faliu, então estava sendo frequentado por gângsteres e prostitutas. Um dia a polícia entrou e tirou todos. Eu fui buscar os colchões”, conta. Batizada de “Galeria Blanda”, o espaço foi remontado em São Paulo, para que o público entre e interaja com a casa-colchão.

Ela vivia em Paris na década de 1960, quando começou a criar, influenciada pelo nouveau réalisme de Yves Klein e pelo suiço Jean Tinguely. Os primeiros colchões que conseguiu foram doados por hospitais, depois modificados e pintados com tinta fluorescente.

Pouco depois, fez o seu primeiro happening, performance que costuma chocar e envolver a participação do público. Minujín inaugurou sua primeira exposição com o seguinte convite: “No dia do encerramento, às 19h, Marta Minujín destruirá suas obras”.

Alguns artistas que estavam na cidade foram chamados para fazer alterações nas esculturas de diferentes materiais e, dito e feito, a argentina ateou fogo em todas as obras. “A criação também acontece pela destruição”, comenta, ao relembrar a ocasião.

Em 1965, fez “El Batacazo”, recriada especialmente para a exposição no Brasil. O público poderá subir no escorregador numa sala inteiramente cor-de-rosa, com bonecos dos jogadores de futebol em tamanho real, mas pintados como personagens de um cartum.

A obra parece se apropriar da Pop Art americana, colocando-a em um contexto latino-americano. “Marta referencia o tango argentino mas enche a cena ícones midiáticos, provocando sobre sua influencia nas identidades individuais”, diz Ana Maia.

Na mesma época, como que para desafiar a comunicação em massa, foi a primeira pessoa a transmitir um happening na televisão aberta com “La Cabalgata”, quando milhares de argentinos assistiram, atordoados, cavalos colorindo colchões com recipientes de tinta presos em suas caudas, enquanto fisiculturistas estouravam balões e uma banda de rock era amarrada com fita adesiva enquanto tentava tocar.

Algo parecido aconteceu com “Suceso Plástico”, em 1964, no estádio Luis Tróccoli, em Montevidéu. “Contratei fisiculturistas, prostitutas e motociclistas. A música tocava, os homens levantavam as mulheres e as motocicletas circulavam”, relembra Marta, empolgada. A inspiração veio do filme “Oito e Meio”, de Federico Fellini, sobre um diretor de cinema que sofre um bloqueio artístico e mergulha em suas memórias e fantasias.

No mesmo período, fez “La Menesunda” junto ao artista Rubén Santantonín, o que a aproximou da arte conceitual e pop. Era um circuito com 20 salas que retratava, por meio de materiais diversos, situações cotidianas íntimas e públicas da vida em Buenos Aires.

Uma coleção de trivialidades mal combinadas que misturavam a realidade urbana a situações lúdicas, como descreveu a historiadora Andrea Giunta, mas que, segundo a curadora Ana Maia, convidava o público a pensar sobre sua identidade nacional -algo semelhante ao efeito da tropicália no Brasil.

Não demorou para que fosse considerada expoente da vanguarda artística que pensava a América Latina no mundo. No final da década de 1978, iniciou a série “La Caída de los Mitos Universales”, com representações monumentais e efêmeras de grandes monumentos.

“El Obelisco Acostado”, réplica enorme do obelisco da Praça da República, em Buenos Aires, foi o primeiro da série, que inclui o relógio Big Ben, de Londres, e a Estátua da Liberdade americana. Esculpido na horizontal, como se tivesse tombado, ele veio para a primeira Bienal Latino-Americana, em São Paulo. Agora, sua reprodução em tamanho real está na Pinacoteca.

A exposição traz também registros em foto de obras que não cabem no prédio. Exemplo é a réplica monumental do Parthenon grego de 1983, construída com milhares de livros proibidos pela ditadura argentina, em protesto contra a repressão. Em 2017, a obra foi refeita em Kassel, na Alemanha, cidade-símbolo da repressão nazista à Escola de Bauhaus e à arte moderna.

Ainda na década de 1980, Minujín fez com Andy Warhol o ensaio fotográfico “El Pago de la Deuda Externa Argentina con Maíz, ‘el Oro Latinoamericano’ -o pagamento da dívida externa argentina com milho, ‘o ouro latino-americano’-, em que aparece entregando espigas de milho ao artista americano.

“Acho terrível a crise”, diz, referindo-se à recessão argentina. Segundo ela, a arte serve como alívio cotidiano, ao lado da contestação, motivo pelo qual gosta de fazer obras estimulantes. “Não sei se minha arte continua pop, mas me sinto pop. Gosto de fazer coisas cômicas e divertidas”.

Quem segue a artista nas redes sociais, conhece seu bordão “arte, arte, arte!”, repetido com entusiasmo em vídeos junto às suas obras. “É um grito de guerra pela arte na vida das pessoas. A arte provoca emoções e conceitos”, diz. “A arte tem a propriedade de resgatar sua grandeza oculta”.

Sua obra “Vênus Apocalíptica”, busto em bronze de uma vênus dividida em camadas tridimensionais, estava no Palácio do Planalto e foi arremessada para fora do edifício por golpistas que participaram do ataque terrorista, em janeiro. “Um absurdo. Além do mais não é um protesto interessante. Me parece puramente escandaloso.”

Marta diz estar empolgada para ver a reação do público brasileiro que adentrar em “Implosión!”, uma de suas obras mais recentes. Uma pequena sala ao estilo cubo branco é subvertida pela videoinstalação, que vomita nas paredes projeções frenéticas e sobrepostas de suas esculturas acolchoadas hipercoloridas -o ambiente é delirante, mas instagramável.

“Espero que as pessoas fiquem eufóricas e dancem”, diz. Os sentimentos e sensações que a arte pode causar são sua prioridade.

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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