Como a Mubi, streaming que aposta no ‘cult’, abocanha filmes de grandes diretores

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Wes Anderson costuma ligar com frequência para Efe Cakarel, fundador da Mubi, plataforma que na última década se consolidou no mercado do streaming disponibilizando títulos clássicos e independentes, geralmente difíceis de encontrar em outros lugares desde o fechamento das locadoras.

Por vezes, as chamadas acompanham um pedido do diretor de “O Grande Hotel Budapeste”: encontrar algum filme desaparecido. “Ele me diz, ‘esse filme não foi exibido em 20 anos’, e eu respondo, ‘vou encontrar ele para você’”, afirma Cakarel.

Sentado em uma poltrona no hotel Fasano, em São Paulo, ele não tem o visual que se espera de um executivo. Aos 48 anos, sorridente, franzino e usando uma camiseta casual listrada, ele conversa empolgado, parecendo mais um cinéfilo do que o dono de uma internacional.

O primeiro passo, Cakarel diz, é encontrar a família do diretor. Depois, investigar onde uma cópia pode estar armazenada, encontrá-la, restaurá-la e, por fim, pô-la na Mubi. A plataforma, que recentemente comprou a produtora e distribuidora The Match Factory —uma das maiores do circuito independente—, se destacou em um mercado dominado por gigantes como Netflix, Max e Prime Video.

O segredo foi ter uma boa curadoria de filmes, investir em produções menores e, ainda, abocanhar longas de grandes diretores para a distribuição internacional, como “Priscilla”, de Sofia Coppola, “Dias Perfeitos”, de Wim Wenders ou “Queer”, de Luca Guadagnino.

Cakarel está em São Paulo a convite da Mostra de Cinema de São Paulo, onde abre o Encontro de Ideias Audiovisuais, evento voltado ao mercado. Mas há também outro motivo para a sua viagem. Apesar de a empresa não abrir os números, o Brasil é hoje o país com mais assinantes da Mubi do mundo.

“Os brasileiros têm fome de narrativas boas e de formas diferentes de arte”, diz Cakarel. Apesar da crise das bilheterias que ainda não se extinguiu desde a pandemia, os lançamentos recentes da Mubi não parecem sofrer para ficar em cartaz.

“A Substância”, por exemplo, “body horror” de Coralie Fargeat com Demi Moore, já arrecadou US$ 1,2 milhão no país, US$ 15,5 milhões na América Latina, e é a maior bilheteria mundial da Mubi até agora.

“Como sociedade, começamos a ficar cansados das fórmulas dos blockbusters e suas sequências”, diz Cakarel. “Estamos desejando histórias originais, e não se trata de filmes menores ou maiores, porque há entusiasmo com blockbusters originais como ‘Barbie’ e ‘Oppenheimer’.”

Essa renovação, para ele, está relacionada a uma geração de jovens mais exigente que, com doses constantes de dopamina oferecidas pelos celulares, não são um público simples de satisfazer. “Eles são muito inteligentes em suas escolhas de entretenimento e não são enganados facilmente.”

“Para cada filme que lançamos, damos a ele uma janela adequada no cinema. Assistir a um filme em uma multidão é uma experiência completamente diferente e coletiva”, diz. Ele próprio evita ver alguns filmes pelo computador antes de adquiri-los —é o caso de “Bird”, de Andrea Arnold, que viu durante o Festival de Cannes antes de fechar negócio.

“O que estamos fazendo não é substituir a experiência cinematográfica, mas tornar os filmes mais acessíveis. Eu amo assistir filmes na tela grande, mas nem todo mundo vive em uma metrópole, onde geralmente se tem acesso a esse tipo de filme”, diz.

Formado em ciência da computação e engenharia elétrica, Cakarel nasceu em Izmir, na Turquia, filho do dono de uma construtora. Foi estudar nos Estados Unidos, e lá chegou a fazer um filme experimental. “Quando assisti a ele, vi que era muito ruim. Uma das minhas filosofias de vida é que você deve descobrir o que não faz bem na vida, para não fazer mais.” Porém, descobriu também o que considera um talento para a curadoria. “Eu sei que estou na presença de algo grandioso quando vejo um filme.”

Foi durante uma de suas viagens, quando ainda trabalhava no mercado financeiro, em Tóquio, que sentiu vontade de ver “Amor à Flor da Pele”, de Wong Kar-Wai —mas não o encontrava em lugar algum. A Netflix já existia, e Cakarel esboçou uma ideia de plataforma ainda no voo de volta para San Francisco.

Olhando para trás, ele entende por que era tão difícil encontrar o longa chinês nas plataformas. “Este é um negócio muito tradicional e fragmentado. Um filme como ‘Parasita’ é distribuído por alguém diferente em cada território. Para exibi-lo, é preciso convencer 50 pessoas diferentes”, diz.

Daí vem a obsessão pela curadoria feita por pessoas, e não algoritmos. “O que eles estão fazendo, e é algo em que são muito bem-sucedidos, é entreter. Eles não estão lá para, por exemplo, ajudar Sofia Coppola a contar uma história muito pessoal”, diz, referindo-se a “Priscilla”. “Eles não se importam com a história se não acharem que vai atrair pessoas para assisti-la”.

Uma das aquisições recentes da Mubi foi “Dahomey”, documentário com tom fantástico de Mati Diop, que venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim e explora o repatriamento de obras arqueológicas a países africanos.

A Mubi passou a investir também na produção de filmes independentes, como é o caso de “Memory”, de Michel Franco, e “Gasoline Rainbow”, dos irmãos Ross. O próximo filme de Karim Ainouz, “Rosebush Pruning”, e uma comédia de Jim Jarmusch estrelando Cate Blanchett, são alguns dos próximos lançamentos.

“É difícil conseguir financiamento para um filme hoje em dia. E, sabe, quando Jim Jarmusch apresenta uma nova história incrível, a comunidade global da Mubi é o público que está ansioso por esse filme”, diz Cakarel.

No caso do Brasil, essa comunidade virou quase como um fã-clube, impulsionado também pelo Mubi Fest —evento inaugurado em São Paulo cujo objetivo é exibir os próximos lançamentos da plataforma em primeira mão na sala de cinema. Na última edição, jovens vestindo camisetas de filmes encheram a Cinemateca Brasileira com bottons e as ecobags azuis da Mubi —item que chega a ser revendido por R$ 300 na internet.

O evento acontece apenas em países da América Latina. Na Cidade do México, esperava-se 500 pessoas para uma exibição de “Amores Expressos”, de Kar-Wai, mas apareceram 5.000. Cakarel se orgulha de não voltar o olhar em primeiro lugar para Europa e Estados Unidos.

“Em dez ou 20 anos, quero que todos, de São Paulo a Istambul, quando ouvirem a palavra Mubi, pensem em grande cinema”, diz. O próximo passo será investir em salas de cinema próprias. “Um lugar físico onde possamos reunir nosso público. Eu quero criar uma contracultura contra as realidades comerciais do cinema.”

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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