SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – De cachorrinho a tiracolo, vestindo looks de perua sexy e ofendendo todos ao redor, Lola escandaliza na novela “Beleza Fatal”. Assassina, manipuladora e mentirosa, a antagonista caiu no gosto popular apesar de suas maldades ou justamente por causa delas, consolidando o sucesso deste novo tipo de folhetim, pensado para o streaming.
Apesar de o alcance de um serviço pago como a Max ser inferior ao do sinal gratuito da TV não é possível aferir quantos assinantes a plataforma tem no país nem quantos deles assistiram à novela, “Beleza Fatal” virou fenômeno pop, originando memes, bordões e até fantasias de Carnaval
O experimento da Max parece ter sido bem-sucedido sobretudo na internet. No Google Trends, ferramenta que monitora a relevância de assuntos na plataforma, “Beleza Fatal” se manteve à frente de “Mania de Você”, também em sua reta final na faixa das nove da Globo, na maior parte deste mês de março, e Lola teve seu nome três vezes mais buscado que o de Mavi, vilão de Chay Suede no folhetim da TV aberta.
A novela ainda inspirou festas que exibirão seu último capítulo, nesta sexta-feira (21), às 20h. As sessões acontecem não só em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas em locais como Cariri, no interior do Ceará. A última vez que um folhetim gerou esse nível de interesse por seus acontecimentos finais foi há mais de uma década, com “Amor à Vida”, que mostrou o primeiro beijo gay de uma produção da Globo.
Na programação de São Paulo está a Zig, boate gay que tem festas de música pop e recentemente contratou a britânica Charli XCX para ser DJ, e também a Toca Uma pra Mim, no Tatuapé, bairro mais conservador e com alta concentração de bares voltados ao público heterossexual.
Isso tudo desprezando elementos básicos de uma novela. “Beleza Fatal” é uma obra fechada isto é, gravada por inteiro antes da estreia, com apenas 40 capítulos e lançada em blocos semanais que incentivam a maratona, como as séries a Max, sem divulgar cifras de audiência, diz que o tempo que seu assinante dedicou a “Beleza Fatal” aumentou em 30% a cada semana desde a estreia, em janeiro.
“A novela pegou um público jovem, que não estava acostumado com o formato, e também o noveleiro tradicional. Pegou o público de esquerda e o mais conservador. Não temos como calcular, mas parece ter um alcance amplo”, diz Raphael Montes, autor do folhetim e de livros de sucesso como “Bom Dia, Verônica”, que virou uma série na Netflix.
Montes nota o interesse particular do público LGBTQIA+ por sua história. Enquanto lésbicas se deliciaram com as pegações desenfreadas de Lola, que transa com homens e mulheres, os gays a declararam uma diva, como já fizeram com outras vilãs de novelas. Seu jeito sujo, elitista e debochado, mas também determinado e empoderado, lembra Odete Roitman, uma referência de antagonista no gênero.
Como a vilã de “Vale Tudo”, que a Globo está regravando, Lola é malvada de verdade. Ela despreza o politicamente correto faz piadas transfóbicas, humilha gordos e transforma pobres em chacota. Para os fãs de “Beleza Fatal” nas redes sociais, essa imoralidade é um dos elementos que faltam às novelas de hoje na TV aberta.
A ousadia da personagem tem a ver com o fato de o streaming não ter de prestar contas a anunciantes, por exemplo. Na TV, as emissoras têm dificuldade de abusar de temas e abordagens que possam ser consideradas polêmicas demais não só pelo público, mas por marcas patrocinadoras.
“Beleza Fatal provou que o mercado está mais aberto para um conteúdo sem amarras”, afirma Monica Pimentel, vice-presidente de conteúdo da Warner Bros. Discovery, dona da Max. “Não dá para existir um vilão que não se expresse como tal, que não seja cruel. Por isso o autor exagerou e quebrou as barreiras que deixaram esse gênero tão sem tempero.”
Sem amarras, Montes diz ter tentado tornar seus personagens pessoas reais, entre erros e acertos, e que o julgamento sobre o que dizem ficou a cargo do público, numa narrativa sem moralismo. “Deu certo porque o Raphael pegou a estrutura tradicional da novela e deu a ela uma roupagem nova”, diz ainda Caio Blat, que vive o par romântico de Lola e cirurgião inescrupuloso Benjamin Argento. “Beleza Fatal é super queer, fala de vários tipos de relacionamentos, de sexo, tem cenas picantes.”
Assim, o exército de “lolovers”, como Lola batizou os fãs da clínica de estética que tem na novela, deixou de existir apenas na ficção. “Eu me sinto abraçada pelo público gay”, diz Camila Pitanga, que vai acompanhar o capítulo final numa dessas festas temáticas, para sentir o calor do público. “Ela é uma mulher que se afirma, com suas cicatrizes, loucuras e deboche, sem medo de expressar sua personalidade. Essa exuberância se relaciona com o universo gay.”
Fazer de Lola bissexual é também uma estratégia para tornar a novela mais sedutora para esse público. Representa um movimento ousado para o gênero, incomum na TV aberta, que raramente faz protagonistas não heterossexuais. Uma das únicas vezes que isso aconteceu foi com “Amor à Vida”, da Globo, que tinha Felix como um vilão homossexual.
Outro elemento de sucesso é a nudez. Na trama, Argento e outros homens deixam as bundas à mostra por vários segundos, e Lola, numa das cenas, prende um cubo de gelo entre os lábios e passeia com ele pelo corpo nu do marido, causando uma sinfonia de gemidos.
Apesar de pouco se ver, a novela é bastante erótica. Há sexo heterossexual, mas também gay e lésbico. Há papai e mamãe, mas também chicotadas numa festa sadomasoquista. Há corpos contornados por lençóis assepticamente brancos, mas também pelo vapor da sauna.
A alta voltagem sexual é mais um aceno à TV aberta de décadas passadas, que usava os corpos de seus atores para provocar o espectador, como foi com Fabio Assunção, nu em “Pátria Minha”, e Isadora Ribeiro, com os seios à mostra na abertura de “Tieta”, que foi cortada na reexibição do Vale a Pena Ver de Novo no ar agora.
“Sexo sempre vendeu, não é novidade”, diz Silvo de Abreu, um dos maiores dramaturgos do país, autor de “Rainha da Sucata” e ex-chefe de dramaturgia na Globo. Ele foi contratado para cuidar das novelas da Warner e supervisionou o texto de “Beleza Fatal”, mas deixou a empresa antes do lançamento da novela.
“Usar homem como objeto sexual escandaliza e dá certo”, segue, lembrando que fez isso com o ator Mário Gomes em “Guerra dos Sexos”. “Meu raciocínio na época era se a maior parte do público de novela são mulheres e gays, por que não mostrar o que eles querem ver? Fiz isso por uma questão de marketing.”
Se hoje há mais pudor na TV aberta, com raras cenas de nudez e tentativas de embalar novelas como um produto “premium”, a Max faz o caminho inverso, se aproximando do popularesco com os absurdos pouco críveis e histriônicos de “Beleza Fatal”.
A atriz Adriana Esteves, de “Mania de Você”, chegou a dizer que o folhetim seria uma “The White Lotus” brasileira, em referência à série premiada, uma das joias da coroa da HBO, que exibe seu acervo na Max. Por outro lado, esta passou por uma repaginação recente, para deixar de ser associada apenas a títulos mais cabeçudos e adultos como “Succession” e “Game of Thrones”.
Dessa forma, “Beleza Fatal” inflama a batalha que os canais de TV e as plataformas de streaming travam entre si para fisgar o público. O bom resultado não é definitivo aliás, na Band, onde a trama passou a ser exibida, não houve ganhos de audiência, com dois pontos médios no Kantar Ibope ante os 20 da Globo. Mas a maneira como a história viralizou nas redes já parece suficiente para transformar a concorrência acirrada do mercado audiovisual num novelão.
BELEZA FATAL
– Quando Último capítulo nesta sexta-feira, às 20h, na Max
– Classificação 16 anos
– Autoria Raphael Montes
– Elenco Camila Queiroz, Camila Pitanga e Giovanna Antonelli
– Produção Brasil, 2025
– Direção Maria de Médicis
GUILHERME LUIS E LEONARDO SANCHEZ / Folhapress