BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – A reforma tributária, proposta de unificação dos tributos de consumo em discussão no Congresso, tem sido motivo de preocupação para galeristas brasileiros. As previsões são de um aumento de até 27% nos valores de obras e de até 50% na carga tributária o que pode isolar o mercado de arte do Brasil no mundo, afastando a presença de galerias internacionais no país e a visibilidade de nomes nacionais.
A proposta também vai na contramão do que se vê pelo mundo, como nos Estados Unidos, maior mercado de arte do mundo e que não estabelece tributos federais sobre a importação de obras, ou da França, o maior mercado da União Europeia, onde a taxação é de 5,5%.
Isso porque o PLP 68/2024, principal projeto de regulamentação da reforma, não inclui a comercialização de arte no regime diferenciado de tributação, ao contrário de outras produções artísticas e culturais.
Essa diferenciação considera a particularidade de alguns setores e oferece a certos bens e produtos a redução de 60% na alíquota dos novos impostos IBS, o Imposto sobre Bens e Serviços, e CBS, a Contribuição sobre Bens e Serviço, afirma Tathiane Piscitelli, professora de direito tributário na Fundação Getúlio Vargas.
O IBS substitui o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, estadual, e o ISS, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, municipal. Do lado da União, o PIS, o Programa de Integração Social, e o Cofins, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, são unificados na CBS, afirma Piscitelli.
“A simplificação almejada pela reforma é muito positiva, mas que, em sua forma atual, gera um aumento de carga tributária substancial e pode levar a um retrocesso do setor”, diz Victoria Zuffo, sócia-diretora da galeria Lume e presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporânea. A entidade forma o Coletivo 215 que, com as feiras SP-Arte e ArtRio e a Associação de Galerias de Arte do Brasil, tem discutido a influência da reforma no mercado.
Liziane Angelotti, presidente da 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, afirma que a previsão é que a tributação sobre importação de obras de arte seja de 26,5% de CBS e de IBS, e mais 4% de II, Imposto de Importação. Em comparação aos impostos atuais aplicados em compras sem isenções ou créditos, ela diz que “não é tanta diferença, mas aumenta um pouco”.
O Coletivo 215 critica a comercialização de obras não estar incluída nas produções artísticas contempladas pelo regime diferenciado e prevê aumento de 10% a 27% no preço para o consumidor final, uma vez que, com o fim do ICMS, acabarão as isenções e créditos presumidos do tributo para o setor. “A alta tributação no Brasil isolaria o país no intercâmbio cultural e no acesso à cultura”, considera a presidente da Abact.
Ana Letícia Fialho, pesquisadora especializada no estudo do sistema das artes visuais e do mercado de arte contemporânea, afirma que, assim como ocorre em outros países, é necessária uma legislação para fomentar o desenvolvimento do sistema da arte, incluindo o mercado, porque ajuda na circulação das obras e gera receitas que circulam e favorecem também os artistas. “A gente tem um ambiente que é muito desfavorável comparativamente a outros países”, diz Fialho.
No segundo maior mercado da União Europeia, a Alemanha, as obras de arte serão incluídas, a partir do ano que vem, em uma taxação especial, e o imposto cairá de 19% para 7%. Mesmo após sair da UE, o Reino Unido segue a tendência dos países europeus e tem a taxa de 5%. Já Hong Kong, território da China, segundo maior mercado do mundo, tem a taxa zerada para obras de arte.
A partir da articulação com o coletivo, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) propôs uma emenda ao PLP 68/2024, ainda não analisada, que inclui as galerias de arte no regime diferenciado. “Nós entendemos que é necessário que essa emenda seja aprovada pelo bem de todo o mercado [de arte brasileiro] que se consolidou”, diz o parlamentar.
Em nota, o Ministério da Fazenda afirmou que a concessão de créditos presumidos, a redução de alíquotas de IBS ou CBS e outros benefícios fiscais não são permitidos para itens não previstos na Constituição Federal, como a venda de obras de arte. Entretanto, serviços de atuação artística e feiras de negócios culturais entram no regime diferenciado.
Mesmo contemplada com essa redução de alíquotas, a SP-Arte, que por anos recebeu isenção no ICMS para exportação, tem estimativa de aumento de cerca de 50% na carga tributária, afirma Tamara Perlman, diretora de novos negócios da instituição. A expectativa é de que os créditos tributários não beneficiem muito o setor.
Perlman diz que a tributação excessiva dificultaria a importação e afastaria galerias internacionais de participarem de feiras no país ou abrirem sede. Outra questão é que os artistas brasileiros não seriam vistos por galerias de fora.
Akio Aoki, proprietário da sede brasileira da galeria internacional Continua, é um dos galeristas que mais representa artistas internacionais no país, e, por isso, importa grande parte das obras que vende. Por causa da reforma, já está mudando seu modelo de negócios e mirando em representar uma quantidade maior de artistas nacionais. “Agora, minha intenção é fazer 50% de exposições de artistas nacionais e 50% de artistas estrangeiros. Essa oscilação vai ser conforme a perspectiva final de impostos”, afirma.
O galerista lamenta o aumento na tributação de obras de arte, que já é maior que a da maioria dos países, e lembra que decidiu abrir uma filial da Continua, em 2020, justamente para facilitar a troca cultural. “É o acesso a essas obras que eu gostaria de ter no passado e que hoje eu tenho. A arte transmite a cultura do outro e gera compreensão, isso é fundamental para a nossa subsistência”, diz.
LORENA MARCELINO / Folhapress