Como Amigos desarmaram a polarização política que abalou a música sertaneja

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Eles cantaram a vida toda que não aprenderam a dizer adeus, mas agora parecem ter aprendido. Depois da exibição de um show especial na noite desta segunda-feira na TV Globo, os Amigos se despedem de sua turnê comemorativa de 20 anos no próximo domingo, no Allianz Parque, em São Paulo.

Na estrada há quatro anos, a turnê resgatou os nomes de Leonardo, Chitãozinho & Xororó e Zezé Di Camargo & Luciano do programa da Globo exibido na década de 1990 e os elevou a símbolos máximos do sertanejo, admirados até por quem desdenha do gênero.

Uma das provas disso pôde ser vista no The Town, em setembro, quando Bruno Mars escolheu “Evidências”, de Chitãozinho & Xororó, para homenagear o Brasil. A plateia, que tinha pagado para assistir a nomes como Maroon 5 e Foo Fighters num festival dedicado ao pop e ao rock, cantou sertanejo a plenos pulmões.

A escolha do cantor americano, considerado o novo rei do pop, não pareceu aleatória. “Evidências” foi a música mais tocada nos shows que aconteceram na capital paulista no ano passado, de acordo com o Ecad, instituição responsável por fiscalizar o pagamento de direitos autorais no país.

E “Evidências” não está sozinha. Todas as músicas do pot-pourri que abre a apresentação dos Amigos –“Sinônimos”, também de Chitãozinho & Xororó, “Pense em Mim”, de Leonardo, e “É o Amor”, de Zezé Di Camargo & Luciano– figuram entre as mais acessadas nos sites de cifras musicais e têm lugar cativo em qualquer karaoke.

Um dos motivos para isso, na visão dos artistas, produtores e pesquisadores, é que os Amigos ultrapassaram a barreira da polarização política que dominou o sertanejo.

Segundo Gustavo Alonso, colunista deste jornal e autor do livro “Cowboys do Asfalto”, o posicionamento político do quinteto é um espelho do Brasil. Chitãozinho participou, com Zezé e Leonardo, de uma caravana a Brasília para visitar Bolsonaro no ano passado. Mas Xororó e Luciano

ficaram em casa, quietos.

O pesquisador diz que o posicionamento dos sertanejos não é imutável. O gênero é tido como trilha sonora dos governos de Collor e Bolsonaro, mas também esteve ao lado de Lula. Zezé Di Camargo & Luciano cantaram, sem cobrar, o jingle do petista em 2002 –“Meu País”, sobre reforma agrária– e apoiaram Dilma Rousseff no início do governo.

Ao ser questionado sobre política, Chitãozinho diz que quem vem atrás dos cantores são os políticos. “O sertanejo é a música mais ouvida do país, então atrai o interesse dos políticos, indevidamente. Eles estão sempre nos procurando para chamar a atenção.”

Outra razão para o sucesso, diz Alonso, é que os Amigos dissolveram a barreira entre o sertanejo e outros gêneros, sobretudo a MPB, historicamente mais aliada à esquerda.

Chitãozinho & Xororó lançaram um disco com Milton Nascimento no mês passado, com regravações de sucessos. Em 1999, Maria Bethânia gravou “É o Amor”, de Zezé Di Camargo & Luciano, para seu álbum “A Força que Nunca Seca”. Em 2005, seu irmão, Caetano Veloso, participou da gravação da trilha sonora do filme “Dois Filhos de Francisco”, sobre a infância da dupla.

Gustavo Alonso, o pesquisador, diz que a “radicalidade política do sertanejo é de 2015 para cá”. “Uma parte considerável dos sertanejos apoiou Bolsonaro, mas vários artistas da MPB também. Fagner e Nana Caymmi fizeram campanha. Toquinho e Djavan disseram que estavam esperançosos após a eleição de 2018.”

Os Amigos também se distanciam de outros sertanejos, Alonso afirma, por não louvarem o agronegócio, diferente de Ana Castela e sua turma do novo estilo que ficou conhecido como agronejo. “A riqueza do Brasil não está no agro, no ouro, no diamante. Está no povo, que é trabalhador, luta de sol a sol, entra governo, sai governo”, diz Xororó.

É uma estratégia adotada desde os anos 1980, quando o gênero era restrito ao interior de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e ao norte do Paraná, ainda distante das estações FM ou das novelas e programas de televisão.

O objetivo de se opor à ruralidade era conquistar um Brasil que se urbanizava. Se em 1940 –auge de nomes como Tonico e Tinoco– quase 70% da população vivia no campo, em 1991, quando os Amigos despontaram, 74% já viviam nas cidades.

O contraste com o ruralismo se deu na incorporação de estilos internacionais –como o chamamé argentino, a guarania paraguaia e o bolero mexicano–, além da mudança nos arranjos –com a saída da sanfona e a entrada de instrumentos elétricos. É a guitarra, por exemplo, que sublinha “É o Amor”, enquanto o teclado dá o tom de “Você Vai Ver”, dois sucessos de Zezé Di Camargo & Luciano.

A mudança não se restringia aos ouvidos. Chitãozinho & Xororó, de cabelos compridos, se vestiam como Elvis Presley. Os clipes, como “Muda de Vida”, de Zezé Di Camargo & Luciano, e “Ela Não Vai Mais Chorar”, de Chitãozinho & Xororó, deixavam a fazenda para se passar no Rio de Janeiro ou nos Estados Unidos.

É algo que Luciano diz lembrar bem, ao me receber em seu camarim enquanto se vestia para o especial da Globo. “Naquela época, não tinha liberdade. Quando o cara trajava uma bota e um chapéu, era tachado como caipira. Hoje isso é usado até nas baladas.”

Mas o contraste derradeiro entre a música dos Amigos e a dos demais sertanejos são as composições ultrarromânticas. De volta à baila na abertura da novela das nove da Globo, “Terra e Paixão”, “Sinônimos” é um bom exemplo disso.

Enquanto Chitãozinho & Xororó cantam que “sinônimo de amar é sofrer”, versando sobre amores marcados pela distância, pela solidão e pelo abandono, os principais nomes do agronejo preferem o duplo sentido de termos do agronegócio, como roçar, montar e cavalgar, o que a dupla não vê com bons olhos.

“Esse movimento traz a meninada. O assunto de hoje é o agro, mas é momentâneo. O que fica é a música que vai além do som e da dança”, diz Chitãozinho. “Hoje se fala de amor de uma forma muito direta. Uma letra romântica é mais longeva. A música romântica faz sucesso no mundo todo. Aqui

não é diferente”, afirma Xororó.

ESPECIAL AMIGOS – 20 ANOS

Quando: Seg. (11), às 22h25

Onde: Globo

Produção: Valéria Amaral

Direção: Pedro Secchin e Raoni Carneiro

AMIGOS – A HISTÓRIA CONTINUA

Quando: Dom. (17), às 20h

Onde: Allianz Parque – av. Francisco Matarazzo, 1.705, São Paulo

Preço: De R$ 550 a R$ 990

Classificação: Livre

Link: https://www.guichelive.com.br/turne-amigos-sao-paulo_25953

PEDRO MARTINS / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS