Como as maiores empresas gaúchas estão lidando com a enchente

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Grandes empresas do Rio Grande do Sul –mesmo as que escaparam da fúria das águas em uma das maiores tragédias climáticas do país– lidam agora com as perdas de seus funcionários, com a desestruturação da rede logística e com a indefinição do futuro.

A Folha buscou contato com as 50 maiores companhias do estado desde 17 de maio. Das 33 que responderam, 25 (75%) registraram perdas entres seus funcionários e famílias. Quase dois meses depois das enchentes, ainda calculavam o alcance dos prejuízos em suas instalações ou os danos causados pela dificuldade de movimentar mercadorias de um ponto a outro do estado ou do país.

Relatório do BTG Pactual aponta que os efeitos econômicos da tragédia serão vistos por muito anos e que ainda são necessários estudos mais complexos para estimar as perdas. Analistas do banco citam que as projeções de queda no PIB (Produto Interno Bruto) do estado variam de 3% a 10% no segundo trimestre, o que poderia implicar uma redução entre 0,2 e 0,6 ponto percentual no resultado nacional para o período.

A rede de drogarias São João registrou pelo menos cem unidades afetadas e 2.000 funcionários atingidos pela destruição. “Perdemos 47 lojas em sua totalidade. A natureza levou tudo, não tem absolutamente nada lá”, diz Pedro Henrique Brair, fundador e presidente da rede.

O tamanho do prejuízo, porém, segue incerto. Em algumas cidades, como Roca Sales (a cerca de 130 km de Porto Alegre, no Vale do Taquari), a loja foi destruída uma segunda vez, de novo por enchente, o que o leva a repensar a reconstrução.

“A empresa tem estrutura para se recuperar rapidamente, mas vamos repensar se esse investimento deve ser feito em algumas cidades.”

Para Brair, além do custo de colocar essas unidades de pé, há preocupação com a situação da economia na região. “O que planejamos como empresa, para orçamentos e vendas, certamente será impactado. A economia também fica abalada, as pessoas perdem poder aquisitivo, as cidades não voltam a ser as mesmas, não há o mesmo ânimo em investir.”

A Randoncorp chegou a paralisar algumas operações na Serra Gaúcha, onde estão as principais fábricas do grupo, e em São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre. No primeiro trimestre de 2024, a companhia teve receita líquida de R$ 2,5 bilhões. Agora, calcula o tamanho do prejuízo.

A empresa diz que vem acompanhando a situação dos funcionários afetados e apoiando financeiramente aquelas que precisaram deixar suas casas ou tiveram perdas, para que possam comprar móveis e eletrodomésticos. O 13º e a participação nos lucros foram antecipados.

Dos 9.000 empregados no Rio Grande do Sul, a Randoncorp calcula que um terço dos que viviam em São Leopoldo foi atingido.

No bairro São Borja, também em São Leopoldo, a fabricante de armas Taurus não teve sua sede administrativa atingida pela enchente. Prejuízos devido ao impacto a fornecedores não estão descartados.

Além disso, 800 de seus cerca de 2.400 funcionários e suas famílias ficaram desabrigados. A companhia antecipou o 13º salário e organizou a produção e distribuição de refeições a funcionários e familiares atingidos.

Segundo Salesio Nuhs, CEO global da fabricante, a empresa chegou a operar “com as pessoas que estão disponíveis”, mas já estava, na semana passada, “muito próximo ao planejado, respeitando a situação dos colaboradores afetados pelas enchentes direta ou indiretamente.”

A Melnick Even, incorporadora de alto padrão com sede em Porto Alegre, escapou de prejuízos diretos mais graves, mas viu 86 de seus funcionários com perdas graves, de bens ou de parentes. A empresa também adiantou o abono de Natal aos funcionários.

Por dez dias, as atividades administrativas e os canteiros de obras ficaram parados. Os primeiros começaram a voltar gradualmente. A retomada de obras, porém, poderá levar até três meses.

Leonardo Melnick, CEO do grupo, tem casa em Eldorado do Sul, onde foram necessários 30 dias até a água baixar. Lá, ele participou, com sua lancha, do resgate de moradores.

Em Porto Alegre, a unidade misturadora da Yara Brasil, de fertilizantes, precisou ser fechada, e a demanda foi redirecionada às unidades de Cruz Alta e Rio Grande. No curto prazo, segundo a empresa, elas conseguirão atender a clientela.

De seus 2.100 funcionários, 210 tiveram prejuízos. Eles receberam o 13º salário e créditos extras para alimentação.

Outras grandes empresas gaúchas escaparam da destruição por estarem instaladas em áreas como Passo Fundo e Cruz Alta.

A agroindustrial 3 Tentos registrou acúmulo de água em lojas de Santa Maria e Cachoeira do Sul, mas as duas plantas em Ijuí e Cruz Alta, cidades da região noroeste onde choveu forte, não foram atingidas.

A Be8, de biodiesel, em Passo Fundo, também foi poupada de maiores danos, mas precisou reorganizar a distribuição de produtos como farelo de soja.

Apesar de ser uma companhia gaúcha, a Grendene, que detém marcas como Melissa, Rider e Ipanema, mantém somente sua sede administrativa no estado, em Farroupilha. Das receitas totais da empresa, 4% vêm do Rio Grande do Sul. A companhia teve cinco lojas e 17 funcionários afetados pelas enchentes, para os quais doou materiais de limpeza, roupas e alimentos.

O grupo agrícola SLC, que tem sede em Cruz Alta e outras 26 unidades pelo estado, emprestou caminhonetes para ajudar na remoção de móveis de funcionários atingidos e realocou quem não pode voltar para casa. Em Porto Alegre, Muçum, Roca Sales e Sinimbu, a empresa enviou maquinário para desobstrução de vias e escoamento de água.

A Renner, também de origem gaúcha, não registrou grandes perdas. Chegou a fechar lojas durante o auge da tragédia. Para funcionários, antecipou férias e 13º.

Além da força de trabalho, as companhias começam a avaliar agora os impactos logísticos em suas atividades.

Foi o caso da Cotrijal (Cooperativa Agropecuária e Industrial), que não chegou a parar, mas precisou rever caminhos para o transporte de grãos e de outros produtos agrícolas. Cooperados em Pantano Grande, Rio Parte e Vera Cruz enfrentam, segundo a Cotrijal, “desafios significativos”.

Duas fábricas da Tramontina no município de Carlos Barbosa, na Serra Gaúcha, tiveram de ser paralisadas por dez dias no auge das enchentes, em maio. Cerca de 4.000 funcionários das duas unidades entraram em férias coletivas.

No centro-sul do estado, a fábrica da empresa em Encruzilhada do Sul teve problemas para receber materiais. “Da mesma forma que temos dificuldade em receber insumos destinados à produção, todas as fábricas estão com o desafio de garantir o escoamento das mercadorias por impactos das fortes chuvas e desmoronamentos em rodovias”, disse o presidente do conselho de administração, Eduardo Scomazzon, em nota.

Em Eldorado do Sul, a cidade mais atingida pela enchente, a sede e o centro de distribuição da Panvel escaparam de danos, mas o acesso a esse último ficou bloqueado por quase 20 dias. Com a retomada do acesso, a distribuição foi normalizada -por algumas semanas, os produtos vieram do centro de distribuição de São José dos Pinhais (PR).

Cerca de teve 1.100 funcionários da rede foram afetados pelas chuvas. Ele tiveram o 13º salário antecipado e receberam doações de cestas básicas, produtos de higiene, vale colchões.

A UnidaSul, dona das redes Rissul, Macromix e Mr Estoque, teve problemas com a reposição dos estoques devido ao bloqueio de rodovias.

O centro de distribuição e a sede, ambos em Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre, foram alagados e chegaram a ficar fechados, mas o acesso já foi retomado e quase todas as lojas do Rissul foram reabertas (só duas, uma em Porto Alegre e uma em Canoas, ainda estão fechadas). De seus 7.500 funcionários, 1.200 foram afetados pela chuva.

A Vulcabras, dona da Azaleia, postergou o pagamento de faturas de clientes e vai apoiar a remontagem de loja. Sua unidade em Parobé não foi afetadas, mas 35 funcionários receberam eletrodomésticos, móveis e apoio para o restauro da infraestrutura das moradias.

ANNE MEIRE RIBEIRO, BRUNO XAVIER, ADSON DUTRA, DIEGO ALEJANDRO, HELENA SCHUSTER, ISABELA ROCHA E VITOR ROSASCO / Folhapress

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