CAMPINAS, SP (UOL/FOLHAPRESS) – A Fundação Hind Rajab, que pediu a prisão e investigação de um soldado israelense que teria participado dos ataques a corredores humanitários na Faixa de Gaza em novembro e estava em férias no Brasil, atua também em outros países cruzando dados de geolocalização, acesso a contas em redes sociais, fotos e vídeos para demonstrar a participação de militares que estariam fora de Israel e pedir a condenação deles por crimes de guerra.
A fundação encaminhou uma denúncia à Justiça brasileira dizendo que um soldado estava em férias na Bahia. Conforme cruzamento de dados de geolocalização em publicações nas redes sociais, Yuval Vagdani teria participado ativamente de um ataque a uma área de ajuda humanitária em Gaza entre 10 e 12 de novembro. O pedido é de abertura de inquérito pela Polícia Federal e prisão preventiva de Vagdani por crimes de guerra. O soldado deixou o país neste domingo (5).
Criada por dezenas de advogados e juristas no ano passado, a Fundação Hind Rajab tem base na Bélgica. O objetivo principal da organização é denunciar soldados israelenses que estejam em outros países, para que eles sejam presos e condenados por crimes de guerra. Incitadores do conflito e aqueles que são chamados de cúmplices também são denunciados.
Em dezembro, a fundação iniciou ações legais na Argentina e Chile contra Saar Hirshoren, membro 749º Batalhão de Engenharia de Combate de Israel. Ele, que seria um dos comandantes do exército israelense, conforme a instituição, teria passado pelos dois países. Não houve até agora, segundo a entidade, nenhuma movimentação por parte da justiça dos dois países.
A resposta da Justiça brasileira, de ter pedido à Polícia Federal a instauração com urgência de um inquérito, é “um desenvolvimento legal histórico”, segundo a fundação. “Este caso marca a primeira instância de um estado signatário do Estatuto de Roma aplicando diretamente suas disposições sem depender do Tribunal Penal Internacional (TPI)”, afirma em texto. Não há nenhuma publicação em site ou redes sociais em que se anuncia uma decisão parecida tomada por outro país.
Estatuto de Roma é o tratado internacional que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI). Pelo menos 123 estados ratificaram ou aderiram ao Estatuto em outubro de 2022. Na reunião foram definidos os princípios fundamentais, jurisdição, composição e funções do TPI. As primeiras bases do que hoje é o estatuto foram estabelecidas em julho de 1994 pela Comissão de Direito Internacional. Mas foi somente no ano seguinte que as primeiras negociações começaram na Organização das Nações Unidas (ONU).
COMO A FUNDAÇÃO ATUA?
A Fundação Hind Rajab “mapeia” pontos destruídos da Faixa de Gaza com a passagem de militares israelenses. Muitos jornalistas e ativistas independentes publicam em redes sociais onde estão, e até postam os “resultados” das incursões. São analisados vídeos e fotos, além de publicações em quaisquer meios digitais.
Dados são comparados com notícias de portais jornalísticos que apontam destruição ou ataques em Gaza. As informações são cruzadas, repassadas a advogados locais ligados à fundação, e encaminhadas aos respectivos Tribunais de Justiça.
Segundo publicação nas redes sociais, a fundação tem ações legais em andamento em vários países, mas as informações não são divulgadas para evitar fugas. “Comunicamos quando é improvável que o país em questão tome medidas sem pressão externa. Esse é particularmente o caso em países que não são signatários do Estatuto de Roma, onde a comunicação é essencial”, afirma. Aparentemente, é o que aconteceu no caso da Argentina e Chile.
O nome da fundação é em lembrança a uma Hind Rajab, menina de seis anos de idade que tentava fugir de Gaza com cinco membros da família em um carro. O veículo foi metralhado por tropas israelenses. A garota e a prima, de 15 anos, sobreviveram ao primeiro ataque. Elas conseguiram ligar para um serviço de emergência, mas os soldados israelenses atacaram novamente. A prima morreu.
Hind Rajab ainda seguiu em contato telefônico, mas a ambulância enviada para o resgate foi atingida por um míssil, matando os dois socorristas. A criança morreu horas depois, enquanto falava com a mãe ao telefone. A área onde o veículo estava continuou inacessível por 11 dias, até 10 de fevereiro do ano passado, por causa da presença das tropas israelenses.
Redação / Folhapress