Como Burning Spear, que toca em São Paulo, se tornou uma lenda do reggae

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Burning Spear, um dos maiores nomes do reggae em todos os tempos, mora há anos em Nova York e diz não sentir falta da Jamaica. “Isso seria impossível, pois sou um africano nascido na Jamaica”, ele diz. “E onde eu estiver, a Jamaica estará comigo.”

De fato, em mais de 50 anos, Spear compôs –e segue compondo– músicas inspiradas pelas questões sociais e espirituais da ilha caribenha. Parte delas será apresentada nesta sexta-feira, em São Paulo, quando o reggaeman fará o que deve ser seu último show no Brasil.

Ele estava afastado dos palcos e dos estúdios por mais de uma década, até decidir voltar a se apresentar, no ano passado. Este ano, lançou “No Destroyer”, seu primeiro disco de inéditas em quase 15 anos.

“Era a época certa para voltar, cantar uma vez mais para as pessoas”, diz. “Não sei se o que estou fazendo vai durar muito. Vai chegar uma época em que Spear não vai mais subir ao palco.”

Como o novo disco, o cantor recebeu uma indicação ao prêmio de melhor álbum de reggae no próximo Grammy. Ele já ganhou a categoria duas vezes, e foi indicado outras 12 vezes à premiação americana, desde os anos 1980.

Mas não é dos prêmios que vive Spear. Sua carreira foi mais marcada por enfrentamentos e por correr por fora da indústria –mesmo a do reggae e mesmo dentro da própria Jamaica.

Winston Rodney, nome de batismo de Spear, nasceu na paróquia de St. Ann, mesma região de Bob Marley. Ele conheceu jovem o movimento Rastafári, crença que nasceu entre os anos 1920 e 1930 a partir dos pensamentos do ativista jamaicano pelos direitos dos negros Marcus Garvey, outro nascido em St. Ann.

No começo dos anos 1970, Spear foi à capital da Jamaica, Kingston, levado por Marley, quando gravou no lendário Studio One, de onde saíram diversos clássicos do reggae. O selo era comandado pela figura marcante de Coxsone Dodd, produtor de discos e magnata dos sound systems desde a década de 1950.

“Studio One foi uma escola para todos nós”, afirma. “Dodd não era um homem honesto, mas amávamos a música e ficávamos à espera de que ele fizesse algo bom para nós. Não éramos pagos por nada, mas pelo menos conseguíamos ouvir nossas músicas gravadas em disco.”

Após lançar alguns singles e álbuns pelo selo, Spear voltou a St. Ann para a fase mais célebre de sua carreira. Na região praiana e rural, encontrou o produtor e dono de sound system Lawrence “Jack Ruby” Lindo, o maior no ramo fora de Kingston, que o encorajou a retomar a carreira.

Na segunda metade dos anos 1970, Spear lançou uma sequência de álbuns hoje tidos como clássicos do reggae, entre eles “Marcus Garvey”, “Man in the Hills”, “Dry & Heavy” e “Social Living”. Se tornou, junto a Marley, uma das maiores vozes da música jamaicana.

“São clássicos, não podem ser refeitos. São músicas que movem as pessoas há muito tempo”, diz. “Quando compus ‘Slavery Days’, choquei o mundo musicalmente. Ninguém imaginava que uma música daquela pudesse ser escrita e cantada –e eu fiz isso.”

Como se tornou uma marca de Spear, a canção de 1975 traz conscientização sobre o processo de colonização e escravidão, uma mensagem que está no coração dos ensinamentos de Marcus Garvey. O ativista pregava um retorno à África dos povos que foram retirados à força de seu continente.

Junto à mensagem repleta de autoestima para os negros, Spear se ancorava no amplo alcance vocal e numa pegada espiritual. Sua estética era embebida da letargia e da melancolia de uma Jamaica praiana, com uma levada arrastada e arranjos de sopro singulares.

Para os rastas, a Babilônia é uma espécie de alegoria do capitalismo, uma cultura impura e que gera a corrupção do ser humano através da perdição, ganância, egoísmo –contrários ao modo de vida defendido pelo rastafari. Spear canta uma luta contra a Babilônia, mas suas letras são mais educativas do que um chamado às armas.

Hoje, Spear deseja que o pensamento de Garvey seja ensinado nas escolas, e que ele renda um feriado nacional na Jamaica. Na música que leva o nome do país, de seu último disco, ele diz querer “lembrar as pessoas das raízes, da história e da cultura” da ilha.

“Não se pode fugir das suas raízes, você deve abraçar, fortalecer e ter orgulho delas. Até que as pessoas vejam que podemos fazer coisas incríveis como compor canções que inspiram tanta gente ao redor do mundo”, afirma.

Spear fala com carinho do Brasil, diz que as pessoas na Jamaica são apaixonadas pelo futebol brasileiro, e o país para durante os jogos da seleção canarinho na Copa do Mundo. Ele lembra de seu último show por aqui, há 18 anos: “Me senti entendido no palco. Houve uma conexão. A plateia mais do que aceitou a minha música –ela estava se deliciando. Você conseguia ver a música em seus rostos.”

BURNING SPEAR

Quando: 24 de novembro, às 21h

Onde: Audio – av. Francisco Matarazzo, 694, Água Branca

Preço: a partir de R$ 180

Link: https://www.ticket360.com.br/ingressos/27052/ingressos-para-burning-spear

LUCAS BRÊDA / Folhapress

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