Como Carlito Carvalhosa, lembrado em duas mostras, explorou os opostos na arte

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É tanta luminosidade que quase não vemos nada. Ao enfileirar lâmpadas de cozinha brancas no chão, Carlito Carvalhosa convida o visitante a adentrar na luz e a ficar cego, ao mesmo tempo.

Seja nesta obra, montada no Instituto Tomie Ohtake, ou em outra, em que as lâmpadas preenchem de cima a baixo uma parede no Sesc Pompeia, o visitante entende o modo de pensar do artista, calcado num jogo de contrastes, de opostos. Ao longo de sua carreira, ele trabalharia com o claro e o escuro, o dentro e o fora, o opaco e o reflexivo, a forma e o disforme.

A ampla possibilidade de materialização destas dualidades, que Carvalhosa transformou em pinturas, esculturas e instalações, pode ser vista agora em duas exposições nas instituições paulistanas. Juntas, as mostras compõem uma retrospectiva das cerca de quatro décadas da carreira do artista morto em 2021, no que é a primeira ocasião em que tantas obras suas são mostradas ao mesmo tempo.

Carvalhosa “trabalha para resolver essa situação de contradição através de relações dialéticas”, diz Luis Pérez-Oramas, que foi amigo de longa data do artista e é um dos responsáveis por organizar as exposições, divididas por tipo de obra.

No Tomie Ohtake ficam as obras de parede e as esculturas, enquanto o prédio de Lina Bo Bardi abriga três instalações de grandes dimensões. Assim, todos os formatos explorados pelo artista, nome central da arte contemporânea brasileira, são abordados.

Organizada em blocos cronológicos que evidenciam a evolução da poética de Carvalhosa, a exposição no Tomie Ohtake abre com uma sala de pinturas em grandes dimensões dos anos 1980, época em que o artista integrou o ateliê Casa 7, marco no cenário paulistano ao reunir também os pintores Rodrigo Andrade, Nuno Ramos, Fabio Miguez e Paulo Monteiro.

As telas do período de formação de Carvalhosa, influenciadas pelo ícone do expressionismo abstrato Philip Guston, tinham “traço ultraexpressivo”, afirma Ana Roman, outra das organizadoras. Quem vê os quadros têm a impressão de que as pinturas são espontâneas, mas Roman afirma que as obras são menos experimentais do que parecem.

“Existe a ideia de composição”, acrescenta, ao citar um rascunho de Carvalhosa com as indicações das cores para uma das pinturas, exibido no andar de baixo.

Organizado, o artista anotava ideias e rascunhos de obras em cadernos e folhas avulsas, uma vasta produção que ajuda na compreensão de seu trabalho. Por isso, há dezenas destes blocos e estudos expostos -ele desenhou, por exemplo, as posições dos postes que compõem “Sala de Espera”, instalação em que um emaranhado de troncos atravessa o galpão do Sesc, propondo uma nova maneira de entender aquele espaço.

Carvalhosa, formado em arquitetura, trabalhava tendo em mente os espaços expositivos, e não se acanhava em fazer obras que levassem os ambientes ao limite, como no caso da instalação “A Soma dos Dias”, conjunto de véus que abraçaram o átrio do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York. Uma versão deste trabalho, no qual é possível entrar e se perder em meio a panos brancos translúcidos, pode ser vista no Sesc.

De volta ao Tomie Ohtake, na segunda e na terceira salas, onde ficam as encáusticas, as pinturas sobre espelhos e telas em pequeno formato feitas com cera, observamos como o artista respeita as características dos materiais com os quais trabalha. “Não é uma obra de acabamentos, de passar coisas a limpo, de maquiagens. Os efeitos não são dissimulados nunca. O óleo é o óleo, a lâmpada é a lâmpada”, afirma o curador Paulo Miyada.

Muitas das obras de Carvalhosa são uma exploração da matéria-prima, e o que o artista apresenta à sua maneira para o espectador é a coisa em si. Daí decorre que “ele não está produzindo imagens”, diz Pérez-Oramas, ou seja, a visualidade dos trabalhos decorre dos materiais utilizados.

Ele exemplifica ao citar a série de monocromos feitos com a técnica da encáustica -um tipo de pintura que gera um resultado denso e cremoso-, nos quais o artista trabalha com a impureza. Ele “vai contra a ideia do monocromo puro, que é o monocromo moderno”, afirma Pérez-Oramas.

Em paralelo às exposições, a cineasta Karen Harley prepara um documentário sobre a vida e a obra do artista, morto aos 59 anos em decorrência de complicações de um câncer. O filme, que está em fase de captação de imagens e de estruturação do roteiro, vai costurar material de arquivo sobre o processo criativo de Carvalhosa desde o ateliê Casa 7 com as exposições agora em cartaz, fazendo uma ligação do passado com o presente, de acordo com a diretora.

Harley tem conversado com amigos e colaboradores do artista, incluindo o compositor minimalista Philip Glass, que tocou piano dentro da instalação “A Soma dos Dias”, tanto no museu em Nova York quanto na versão da obra mostrada na Pinacoteca, em São Paulo. Além disso, em dezembro, a galeria Nara Roesler, que representa o espólio de Carvalhosa, deve lançar um livro monográfico sobre sua obra.

‘A NATUREZA DAS COISAS’, NO SESC POMPEIA, E ‘A METADE DO DOBRO’, NO INSTITUTO TOMIE OHTAKE

Quando Até 2 de fevereiro de 2025. Sesc: ter. a sáb., das 10h às 21h30; dom., das 10h às 18h30. Tomie: ter. a dom., das 11h às 19h

Onde Sesc Pompeia – r. Clélia, 93, São Paulo. Instituto Tomie Ohtake – r. Coropé, 88, São Paulo

Preço Grátis

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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