SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando não está na escola ou brincando com seus animais, Chico Bento é mestre em roubar goiabas. As ameaças de Nhô Lau, dono do pé mais carregado da Vila Abobrinha, não são páreas para as malandragens do caipira e Zé Lelé, especialistas em escalar árvores e fugir com os pés descalços. Nem por isso Chico deixa de ser exemplo e inspirar diversas crianças no cuidado com a natureza.
Embora chegue aos cinemas como um menino de 11 anos, o personagem nasceu há mais de seis décadas, quando Mauricio de Sousa foi convidado pela Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC) a desenvolver uma tirinha sobre a vida no campo.
Surgia uma mistura entre o Jeca Tatu de Monteiro Lobato, um tio-avô do cartunista e a Turma da Mônica, que ia além das ruas de asfalto no Bairro do Limoeiro muito antes de “Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa”, que estreia nesta quinta-feira (9).
Não demorou para Chico conquistar as bancas e as histórias reforçarem as peripécias e o coração bondoso. Fosse a manipulação eleitoral entre donos de terras, os choques entre o interior e a cidade ou a destruição da natureza no filme, a goiabeira é ameaçada pela construção de uma estrada, os temas mantiveram o compromisso com o meio ambiente e outras discussões sociais.
“O ‘caipirês’ do Chico, por exemplo, gerou debates entre autoridades ligadas à educação, mas se tornou uma marca registrada. Ele ajuda crianças de todo o Brasil a se familiarizarem com a riqueza cultural do país”, diz Maurício. Ele acredita que levar esses assuntos aos mais novos é uma forma de prepará-los para o mundo que irão herdar.
Mas se o arteiro pouco mudou, o tempo trouxe outras relações com os leitores. Fãs dos quadrinhos apresentam Chico Bento aos filhos por desenhos animados, um filão no qual o criador da Mônica aposta desde fins dos anos 1970. Hoje, episódios chegam ao YouTube e ao TikTok, acervos digitais reúnem revistas antigas, e um pequeno influenciador do interior mineiro interpreta o personagem nas telonas.
“Eu não gostava de ler antes de participar do filme. Foi depois dele que procurei os quadrinhos e aprendi a gostar mais. Antes eu só conhecia o Chico pela televisão”, diz Isaac Amendoim, de nove anos, que dá vida ao protagonista.
Nas redes sociais, o ator mostra seu dia a dia na roça de Cana Verde, produz esquetes de humor e traz reflexões ambientais que alcançam milhões de seguidores. Sua inclusão no universo cinematográfico das HQs de Maurício de Sousa parece natural de um projeto que busca a melhor forma de se comunicar com o público infantil.
“O grande desafio é encontrar as mensagens para as crianças de hoje em dia. As tecnologias mudam e as informações chegam de forma muito diferente a elas. Então é preciso conversar com gerações específicas”, diz Marcos Saraiva, diretor-executivo da Maurício de Sousa Produções, a MSP.
No audiovisual, a empresa responsável pelas produções da Turma da Mônica testa diferentes estilos desde o primeiro live-action, “Turma da Mônica: Laços”, lançado em 2019. Luis Lobianco, que interpreta Nhô Lau, acredita na importância desses filmes e diz que os pequenos precisam do seu próprio “Ainda Estou Aqui”.
Embora “Turma da Mônica: Lições” tenha sido a maior bilheteria nacional de 2022, seus 761 mil espectadores não correspondem a metade do público conquistado pelo drama de Walter Salles, que já passa dos 3 milhões de espectadores. Mas isso não parece amedrontar Chico Bento, que soa mais livre, leve e solto.
A urgência em decretar sua relevância social é deixada de lado e existe uma maior confiança na interpretação infantil. Se os projetos anteriores construíam um espaço novo nos cinemas e precisavam justificar sua existência, “A Goiabeira Maraviosa” parece não temer a ingenuidade.
“Nós não queríamos que o roteiro tivesse um tom moralista. No fundo, ele é simplesmente sobre uma criança e a sua árvore favorita. Qualquer mensagem já está codificada nesse amor”, diz Fernando Fraiha, diretor do longa.
Do pai atrapalhado que busca sementes mágicas, passando por figuras do folclore e chegando à transformação de Chico em passarinho, a produção não se apressa em trabalhar a força do imaginário. Ela propõe uma paciência incomum para um tempo em que crianças trocam gibis por celulares e uma rota mais interessante que a do latifundiário que procura trocar árvores por concreto.
“É um bom caminho para se representar outro Brasil na tela. Não é um interior específico de uma região, então consegue abraçar mais pessoas. Um Brasil rural, que traz uma cultura do humor, dos causos e uma infância quase mítica que muitos carregam no coração”, afirma Saraiva.
Esse legado não se restringe ao setor cultural, e Chico Bento já foi nomeado embaixador do WWF Brasil, organização ambiental sem fins lucrativos. O título de protetor das nascentes do Pantanal foi decretado em 2020 com um curta animado, que inaugurou uma ampla parceria na produção de materiais educativos.
Não suficiente, a versão adolescente do personagem nos gibis da “Turma da Mônica Jovem” estuda agronomia desde 2013. São características que também conversam com a atual representação do agronegócio em novelas e na música sertaneja. No caso de “A Goiabeira Maraviosa”, Chico e seus amigos enfrentam um mimado agroboy mirim e um coronel egocêntrico ao ilustrar uma relação mais pacífica com as terras.
Nessa empreitada, a única adulta que decide ajudá-los é também responsável por sua formação. A professora Marocas é vivida por Débora Falabella, que agora lê para o filho as revistas de sua infância. Ela defende a formação de um público infantil para o cinema nacional.
“Estamos acostumados a ver filmes de super-herói que já fazem isso há muito tempo, então por que não fazer o mesmo com esse universo infantil enorme que temos em nossa cultura? Isso pode gerar um grande impacto sobre aqueles que vão consumir nossos filmes no futuro.”
DAVI GALANTIER KRASILCHIK / Folhapress