Como cientistas sabem que 2023 é o mais quente em 125 mil anos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com meses de temperaturas muito mais altas do que a média, antes mesmo de dezembro chegar, pesquisadores já vinham apontando que 2023 seria o mais quente dos últimos 125 mil anos. Agora, após as três primeiras semanas do mês ficarem cerca de 1°C acima da média histórica para o período, é possível dizer que as previsões se confirmaram.

Mas, considerando que termômetros são uma invenção de alguns séculos atrás, como cientistas conseguem saber como era o clima há milênios?

Isso é possível graças à paleoclimatologia, que estuda registros naturais que remontam há centenas de milhares de anos atrás. As análises são feitas a partir de materiais como corais, estalagmites, troncos de árvores muito antigas, camadas do solo encontrados no fundo de rios e oceanos e outros.

“O mundo começou a medir a atmosfera [de forma sistematizada] em 1850 aproximadamente, mas existem dados chamados paleoclimatológicos, a partir de anéis de árvores, de amostras de pólen que estão, por exemplo, depositadas no gelo marinho, que têm centenas ou milhares de anos”, diz o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

Estes elementos permitem saber, no mínimo, se os anos anteriores foram mais quentes ou mais frios do que o atual.

O físico Paulo Artaxo, membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), vinculado à ONU, e pesquisador da USP, explica que analisando a concentração de isótopos de hidrogênio na água é possível descobrir informações confiáveis sobre o clima até alguns milhões de anos atrás.

“Furando testemunhos [amostras] de gelo na Antártica, que vão de 3,5 km a 4 km de profundidade, mede-se uma neve que foi depositada há alguns milhões de anos atrás”, exemplifica.

Em outubro, o observatório europeu Copernicus já apontava que, unindo os registros diários feitos pelo centro de pesquisa desde 1940 aos dados do IPCC, era possível dizer que este seria o quente dos últimos 125 mil anos.

Além disso, uma análise publicada no final de novembro pela Organização Meteorológica Mundial indicava que o ano atual deveria registrar uma média de temperatura 1,4°C acima dos níveis pré-industriais -somando-se a “uma cacofonia ensurdecedora” de recordes climáticos quebrados.

É mais fácil entender porque é possível apontar para esta data com um nível considerável de certeza quando se analisa as épocas geológicas recentes.

Atualmente, vivemos no Holoceno, que começou há cerca de 12 mil anos e foi precedido por um período glacial que durou aproximadamente 100 mil anos. Assim, o planeta só poderia ter tido temperaturas tão altas antes dessa última glaciação.

“Teríamos que retroceder até o Eemiano, que foi o [período] interglacial anterior ao Holoceno, e estamos falando aí de 120 mil anos atrás”, explica o climatologista Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará.

Tanto calor pode ser explicado, em partes, pela ocorrência do El Niño, fenômeno que aquece as águas do oceano Pacífico na região da linha do Equador e tende a elevar as temperaturas no mundo. Mas ele não é o único culpado.

Uma análise de dados feita pela reportagem mostrou que, mesmo com o recorde registrado neste ano, a Terra viveu cinco El Niños mais severos do que o atual nos últimos 70 anos. Ou seja, a temperatura global em 2023 já estava muito alta, mesmo sem levar em conta a intensidade do fenômeno.

O planeta esquentou 1,2°C desde a Revolução Industrial (1850-1900), quando a emissão de gases de efeito estufa pelas atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, começou a escalar. Assim, eventos de calor extremo já são afetados pelas mudanças climáticas.

De acordo com o IPCC, ondas de calor, como as que atingiram o Brasil repetidamente neste ano, triplicaram no mundo na comparação com o período pré-industrial. O aquecimento global também faz aumentar a intensidade destes eventos.

Um estudo recente do WWA (World Weather Attribution), grupo que pesquisa as causas de eventos climáticos extremos, concluiu que o calorão atingiu o Brasil no fim do inverno elevou a temperatura média em mais de 3° C em algumas cidades.

A análise aponta que, sem o aquecimento global, esse índice seria de 1,4° C a 4,3° C menor, e que a ação humana aumentou em cem vezes a chance de calor extremo no país.

Assim, apesar da influência do El Niño nos padrões térmicos, sem a mudança climática, o calor de agosto e setembro não seria tão intenso, conforme os pesquisadores.

Caso as emissões de gases de efeito estufa não caiam drasticamente nos próximos anos, o cenário futuro deve ser, no mínimo, parecido com 2023.

De acordo com o Copernicus, desde o Acordo de Paris, em 2015, a humanidade “perdeu” 19 anos na batalha contra o aquecimento global. Isso porque quando o documento foi assinado, a projeção era de que o mundo passaria a marca de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais até março de 2045. Agora, no entanto, a previsão dos cientistas do observatório é de que esse limite seja ultrapassado em fevereiro de 2034.

JÉSSICA MAES / Folhapress

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