Como é a vida às margens da BR-290 no RS após chuvas

PORTO ALEGRE, RS (UOL/FOLHAPRESS) – Com um martelo, Erné Vargas Machado, 33, prega um pedaço de madeira no solo avermelhado de terra ainda úmida próximo a um morro de 3 metros que dá acesso ao acostamento da BR-290, na Ilha das Flores, um dos bairros mais pobres de Porto Alegre. Dali, aponta para o local onde está a casa dele, inundada pela enchente do começo do mês.

Ele diz que pretende erguer uma barraca para se mudar provisoriamente nos próximos dias. Dali, vai observar a água baixando e voltar para casa. “Vou colocar as camas ali e um fogão a gás no meio. É só um improviso. Quando der uma secada, nós ‘limpemo’ (sic) a casa e ‘joguemo’ (sic) fora as coisas estragadas. Não é a primeira vez que faço isso, né? Aqui, quase todo ano dá enchente”, diz.

Erné chegou a ficar dois meses fora de casa após o alagamento de novembro de 2023. Na ocasião, perdeu móveis e recebeu um auxílio emergencial de R$ 3 mil da prefeitura de Porto Alegre dado às vítimas da enchente. “Comprei uma TV pros meus guris, que eles tinham perdido a deles na enchente. E o resto em roupa, porque eles precisavam ir para o colégio”.

FAMÍLIA CRUZOU RODOVIA EM BUSCA DE ALOJAMENTO

Erné, a esposa e os cinco filhos com idades entre 14 anos e cinco meses cruzaram a rodovia em busca de alojamento em meio às centenas de barracas enfileiradas do outro lado da pista, em uma área menos atingida pela água. “Tive que me mudar para lá porque aqui não tinha espaço para fazer barraca aqui perto quando teve a enchente. A água subiu muito”.

“Mas tá tranquilo. O importante é a família estar unida, com saúde e força. Agora, é levantar a cabeça, trabalhar e correr atrás para adquirir de novo, né? É a única solução que a gente tem”, disse Erné Vargas Machado.

Antes da enchente, Erné se deslocava diariamente de moto até o trabalho em uma das maiores redes de supermercados da capital gaúcha. Mas o veículo também foi levado. Ainda é possível ver ali a motocicleta com lama e destruída. “Quando veio a enchente, levei a minha família para o outro lado da rodovia e montei uma barraca. Quando voltei, a moto já tinha sido levada. Não deu tempo, a água foi mais rápida”.

Carro para dormir no acostamento da BR-290

Erné não conseguiu voltar a tempo para retirar a moto da enchente. Mas o vizinho dele, o auxiliar de serviços gerais Christian da Silva Lopes, 44, agora usa o próprio carro para dormir no acostamento da BR-290, ao lado de barracas montadas por outros vizinhos.

“Meu guri de 8 anos tá na casa da avó e foi o único lugar que sobrou. Não é bom, porque o cara dorme todo encolhido ali dentro. Mas é o que tem, né?”.

No capô do Fiesta 1999, escova de dente, gilete e pasta de dente, que recebeu de doações. No banco traseiro, colocou travesseiros e colchões para se proteger do frio. Mas a maior preocupação dele é outra. “Fico com medo por causa do movimento na estrada, né? Quando vê, o carro pode invadir o acostamento e pegar o cara dormindo”.

Quando a chuva veio, ele só teve tempo de tirar dois sacos de roupa e o veículo. “O resto, ficou tudo boiando, não deu para tirar mais nada”, disse. “Nessas horas, todo mundo se ajuda, porque um depende do outro”.

DOAÇÕES E CUIDADOS COM O FRIO

Próximo dali, em uma área de terra onde a água já recuou na Ilha das Flores, cerca de 30 pessoas da mesma família estão morando em barracas.

Quando uma viatura da Brigada Militar parou no acostamento da BR-290, os moradores se aproximaram pagar pegar mantimentos, em sacolas com alimentos e produtos de higiene pessoal entregues por dois policiais militares.

“Vem comida pra gente. Ainda bem que a gente recebe doação das pessoas. Agora, estamos esperando que baixe a água. Não vamos voltar à normalidade, porque perdemos tudo. Estamos sobrevivendo, vamos superar”, disse Gilberto Tatim, 47, dono de uma padaria que ficou debaixo d’água.

O pescador Luiz Carlos Vasconcellos Araújo, 61, disse que a principal preocupação é com a chuva. “Tem que botar bastante lona nas barracas para não encharcar tudo”, diz o morador da Ilha das Flores, que convive nas barracas com a esposa, os filhos e a neta.

“São dias difíceis por causa do frio e das chuvas. Está sendo complicado para abrigar as crianças nessas condições. Moro aqui desde que nasci e nunca tinha visto um fenômeno desses. A gente tá precisando recomeçar, porque tudo foi perdido”, disse Marcos Silva de Araújo, barbeiro, 30.

Ao longo da BR-290, é possível ver centenas de barracas e carros nos acostamentos sem a presença do poder público ou de qualquer perspectiva de melhoras para aquelas pessoas, que parecem ter sido esquecidas em meio à maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul.

HERCULANO BARRETO FILHO / Folhapress

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