SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Liberdade total. Essa foi a condição que Boris Casoy impôs a Silvio Santos quando o apresentador tentou persuadi-lo a trocar as páginas de jornal pelas telas, para apresentar o principal telejornal do SBT à época, o TJ Brasil.
Morto neste sábado (17), aos 93 anos, o apresentador e dono da emissora fez sua gestão se tornar conhecida, também, pelos vacilos da programação jornalística que levava ao ar.
Elencos e horários mudavam constantemente, às vezes sem aviso prévio, bem como o investimento da emissora no setor. Não foi, porém, o suficiente para afastar alguns dos nomes mais respeitados do jornalismo brasileiro, que aceitaram trabalhar sob o comando de Silvio.
Para Casoy, a contratação surgiu numa tentativa de replicar o que âncoras faziam na televisão americana, encontrando lacunas no noticiário para dar sua opinião. “Eu achava que faltava esclarecimento a respeito de alguns fatos, e o Silvio jamais interferiu”, diz ele.
O jornalista chegou a fazer, no ar, comentários contrários à candidatura frustrada do dono do SBT à Presidência da República, em 1989. “Eu critiquei com clareza, porque achei que era ruim para o país e para ele. Eu via nele uma figura de sucesso na área empresarial e artística, mas não uma pessoa que teria condições de assumir a Presidência, porque ele não tinha nenhuma prática política.”
O jornalista havia sido contratado pelo SBT um ano antes, logo após deixar a redação da Folha, e por lá ficou até 1997. Ao longo de quase uma década, ajudou a reformular o jornalismo praticado na emissora, e conta ter visto pouco interesse de Silvio pelo departamento, algo que avalia ter mudado em anos recentes.
A Presidência da República, aliás, era assunto sério. Criador da Semana do Presidente, em que dedicava parte da programação a narrar os feitos do ocupante do cargo, Silvio Santos bajulou todos os governos pelos quais passou embora tenha se mostrado especialmente entusiasmado com Jair Bolsonaro.
Sempre que era questionado, dizia que o SBT era fruto de uma concessão pública conquistada durante a ditadura militar, quando fundou o Semana do Presidente, e que, portanto, deveria respeitar seu “patrão”, isto é, o chefe do Executivo.
Casoy, pelo que conhecia de Silvio, acredita que a explicação vai além. “Ele tinha uma certa visão de cidadania, em que achava que a autoridade e a hierarquia deveriam ser respeitadas. Era uma visão de patriotismo mesmo”, afirma.
Quase duas décadas depois da contratação de Casoy, Ana Paula Padrão recebeu de Silvio o mesmo chamado para reformular o jornalismo do SBT. Foi também sob a promessa de que ela teria carta branca para reestruturar o departamento à sua maneira que ela deixou a Globo, em 2005.
Foi apenas no terceiro convite que ela aceitou um cargo na emissora, que pouco antes havia reduzido seu jornalismo a um espaço “discreto”, afirma. “Quando ele foi anunciar a minha ida para o SBT, ele me ligou para dizer que queria pôr uma chamada no ar, Globo perde Padrão. Eu comecei a rir. Ele curtia esse tipo de coisa, não estava interessado na linha editorial.”
Para ela, o apresentador estava mais preocupado em ver o conjunto funcionando, em pensar uma programação que trouxesse anunciantes e que dialogasse com seu público, que deveria ser o da “família brasileira”. Ela nunca recebeu ordens ou mesmo pedidos para recalibrar o tom político do SBT Brasil, bancada que comandava.
“Eu tenho a melhor impressão do Silvio em relação a te deixar trabalhar. Ele dizia, às vezes, que não gostava de uma mudança no cenário, que queria uma mudança no horário. Nisso ele mexia bastante, mas era isso.”
Casoy e Padrão falam, ambos, sobre a ausência física de Silvio no departamento de jornalismo. No caso dele, a contratação e as conversas posteriores aconteciam com Guilherme Stoliar, sobrinho do apresentador e na época vice-presidente do SBT. No dela, com seus superiores diretos, embora tivesse abertura para procurar o patrão quando precisasse.
“É difícil de acreditar, mas nós nunca o vimos na redação. Nos encontrávamos com ele em momentos festivos do SBT, mas não era um contato superfrequente. Embora todos digam que ele é muito presente na emissora, a minha sensação é de que ele delegava e observava, de longe”, diz Padrão, que deixou o canal em 2009, quando estava encarregada do SBT Realidade, dedicado a longas reportagens.
Os dois jornalistas também concordam que a relação pessoal com Silvio era de extrema cordialidade. Acessível, o dono do SBT é lembrado por Casoy como uma pessoa comprometida com seus funcionários, e um homem de palavra.
“Ele tinha um faro, uma intuição, que era produto da inteligência dele. Mas tinha muitas idas e vindas, decisões rápidas que transmitiam insegurança para quem trabalhava lá. Muitas vezes me angustiava. Ele era uma criatura complexa, e por isso é difícil definir o Silvio, pelos inúmeros fatores que compunham a personalidade dele”, diz Casoy.
LEONARDO SANCHEZ / Folhapress