Como estão as obras do Cais das Artes, projeto póstumo de Paulo Mendes da Rocha

VITÓRIA, ES (FOLHAPRESS) – Era o início de uma tarde ensolarada de quinta-feira quando um imenso navio cargueiro com dezenas de contêineres passou nas águas que banham o Cais das Artes, em Vitória. Por um breve momento, o monstro de ferro encobriu a vista de cartão postal que se tem a partir da grande praça aberta do complexo cultural -a imensidão infinita do oceano Atlântico ornada por um morro coberto pela Mata Atlântica, no topo do qual fica um santuário religioso do século 16.

A ideia de uma construção conectada com o seu entorno, aberta para o mar de um lado e para as casinhas de vila e prédios de escritório com janelas espelhadas do outro, sempre fez parte do projeto do Cais das Artes, uma das últimas obras de Paulo Mendes da Rocha, um imenso legado que o arquiteto deixou, antes de morrer, para a sua cidade natal.

A frente do mar tem que ser pública, ele costumava dizer, lembra Gustavo Cedroni, um dos arquitetos do escritório Metro que trabalhou lado a lado com Mendes da Rocha na concepção do Cais das Artes. “A ideia é que a cidade chegue na água”, afirma Martin Corullon, outro arquiteto da mesma firma que também fez parte do projeto e agora acompanha a fase final das obras.

O Cais das Artes, que deve ser aberto em janeiro de 2026, depois de ficar cerca de uma década com as obras paradas por imbróglios entre as suas construtoras e o governo do estado, tem potencial para colocar o Espírito Santo no roteiro internacional de arte e arquitetura. Primeiro, por ser um desenho de Mendes da Rocha -um gigante da arquitetura brasileira- que será aberto ao público após a sua morte. E depois pela monumentalidade do que será um dos maiores equipamentos culturais do país.

Os dois grandes prédios de concreto na esplanada pública e de acesso livre vão abrigar um museu de 2.300 metros quadrados divididos em três níveis, com pés direitos de alturas variadas para permitir a exibição de esculturas e instalações de porte de bienal de arte; um teatro com 1.400 lugares com fosso de orquestra e elevador capaz de subir o conjunto de músicos para o palco; salas de ensaio e de confecção de figurinos; e um auditório para cerca de 200 pessoas.

Tudo gerido a partir de um prédio de escritórios de seis andares e reserva técnica de obras, anexo ao museu –este, um grande retângulo suspenso na horizontal, que flutua sobre a esplanada. A escala do Cais das Artes é tão grandiosa que “tem escala de obras de infraestrutura, maior que edificações”, diz Cedroni. O arquiteto exemplifica ao mostrar como o museu se apoia num dos pilares não diretamente, mas sobre uma estrutura giratória também empregada na sustentação de pontes.

Numa visita recente da reportagem às obras, operários em andaimes jogavam jatos de água nas paredes, para dar uma nova cara ao concreto judiado pela exposição às intempéries por anos. Um outro funcionário instalava a tubulação nos banheiros que atenderão ao museu e ao prédio administrativo, e por todo lado homens com capacete de proteção realizavam tarefas diversas.

A obra está agora numa fase de limpeza e de análise geral do estado dos prédios, diz Fabricio Noronha, secretário de Cultura do ES. Equipamentos como os de ar condicionado, que já haviam sido comprados mas ficaram anos parados com a suspensão da construção, passam por revisão para checar se podem ser aproveitados.

Outros detalhes precisam ser atualizados, segundo os arquitetos da Metro. Por exemplo, a iluminação do museu, prevista no projeto inicial para ser executada com um sistema que gastava bastante energia, porque era o que havia disponível à época, deve ser substituído por novas lâmpadas de LED, mais econômicas.

Além disso, há uma parte estrutural na fila -a laje que vai cobrir a plateia do teatro precisa ser feita, e as paredes dos corredores do lado de fora do museu, por onde o público vai circular entre os andares, ainda estão por ser concretadas. Mesmo assim, depois de quase duas horas andando por todos os espaços, a impressão é a de que as obras do Cais das Artes estão em estado avançado.

O secretário de Cultura afirma que o Cais das Artes é sua prioridade. Agora, ele está num momento de definir como será a gestão administrativa do complexo –a cargo de uma entidade parceira ainda a ser selecionada–, formar os conselhos curatoriais que vão definir a programação e compor os núcleos de projetos e de captação de recursos.

A próxima etapa, ele acrescenta, será definir quais exposições e espetáculos vão inaugurar o local, o que deve ser um desafio dado o tamanho generoso dos espaços e também pelo fato de que o ES, ao contrário dos outros estados da região Sudeste, não está no mapa das artes. Afora as mostras de arte e apresentações de teatro, dança e ópera que precisam ser previstas, há a programação do educativo.

Iniciadas em 2010, depois de dois anos de projeto, as obras do Cais das Artes estavam previstas para serem concluídas em 2012. No entanto, depois da falência da empresa construtora, questões judiciais entre o novo consórcio responsável e o poder público paralisaram os trabalhos na metade daquela década. O projeto ficou ao léu por quase dez anos, até ser retomado há poucos meses.

De agora até a entrega da obra, o governo do estado tem cerca de R$ 81 milhões disponíveis para investir, segundo José Eustáquio de Freitas, diretor do Departamento de Edificações e de Rodovias do Espírito Santo, órgão que supervisiona grandes empreitadas. Do início do projeto até a sua paralisação em 2015, o governo gastou R$ 132 milhões.

Para Noronha, o secretário, o Cais das Artes vai colocar o ES “numa posição de potência”. A obra “foi um símbolo da inoperância e da burocracia toda”, ele afirma, acrescentando que espera que o passado se converta “num fator positivo, de orgulho e pertencimento para os capixabas”.

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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