Como filho com deficiência motivou lateral William a ir de lesões à seleção

RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – O telefone tocou. E duas comemorações se uniram na casa de William na noite da última quinta-feira (29). No outro lado da linha, Alexandre Mattos, CEO do futebol do Cruzeiro, que trouxe a notícia: o lateral-direito estava convocado para a seleção brasileira.

Ninguém festejou a lesão, em si, de Yan Couto, inicialmente chamado para a posição. Mas foi como se tudo se alinhasse para William: o prêmio pelas atuações desde o ano passado, o esforço para se recuperar de graves problemas médicos que o tiraram do futebol por quase dois anos e o aniversário do filho mais velho.

A seleção também é uma ode à vida de Pedrinho, grande motivação para a construção do que William se tornou atualmente. O menino completou 8 anos. Nasceu nove dias depois que William conquistou o ouro olímpico, na Rio-2016 e, pelo que passa até nesta terça-feira (3), virou um exemplo.

Pedrinho tem uma deficiência sobre a qual o William não fala tanto. Mas o jogador admitiu recentemente que observar o que seu pequenino passa em casa foi fundamental para que ele não desistisse após sofrer três lesões de ligamento no joelho, praticamente seguidas.

OS CUIDADOS NO PAI E NO FILHO

Pedrinho tem um problema motor, que o impede de andar sozinho. A rotina de cuidados envolve três sessões diárias de fisioterapia. Dói. Ele chora. Mas suporta.

Dor, choro e suportar foi o que William experimentou a partir de 8 de fevereiro de 2020, quando defendia o Wolfsburg, da Alemanha. Um choque no jogo contra o Fortuna Düsseldorf lhe custou o primeiro rompimento do ligamento cruzado anterior, no joelho direito.

O estalo veio. Em alemão, o médico disse que estava fora da temporada. Veio o processo de recuperação. Oito meses e a volta.

Mas ele sofreu a mesma lesão. Só que no joelho esquerdo. E lá se foi mais um tempo com cirurgia, tratamento e fisioterapia.

Emprestado ao Schalke 04 depois desse segundo período. Recomeço. Do tratamento, porque um lance no treino fez o raio do rompimento ligamentar cair pela terceira vez. A segunda no joelho direito, em março de 2021.

Aí, veio o maior hiato na carreira e o olhar ainda mais intenso para o que acontecia em casa com Pedrinho —que já tinha ganhado Noah como irmãozinho.

“No início, eu fiquei muito mal mentalmente, não queria fazer nada, pensei muitas vezes em parar de jogar futebol, mas teve uma coisa que me deu força para continuar. Eu tenho um filho especial, o Pedrinho, é o grande amor da minha vida, ele e o Noah. Eu via ele fazendo fisioterapia todos os dias, ele chorava, mas estava lá, fazendo tudo, e chegou um momento que eu parei para perceber que se ele parava todos os dias para fazer aquilo, e para criança é dolorido, por que é que eu não podia fazer?”, afirma o jogador.

O relato de William foi numa coletiva no Cruzeiro, há um mês. Àquela altura, já se sabia que Dorival Júnior o estava observando mais de perto.

E com razão, porque a chance que recebeu de voltar a jogar, no Cruzeiro, pensando na temporada de 2023, foi muito bem aproveitada. Tudo por conta desse olhar mais sensível aos desafios do filho.

“Não fazia sentido eu ficar triste, trancado em um quarto, sendo que meu filho estava se esforçando todos os dias. Então, eu peguei essa superação dele e usei para mim. Eu prometi para ele que, independentemente do que acontecesse, eu ia voltar a jogar o que eu jogava antes”, disse William.

William não está mais casado com a mãe de Pedrinho e Noah, mas ambos participam bastante da rotina dos filhos. Sobretudo pelos cuidados que Pedrinho precisa. O suporte da família é indispensável. O lateral mora com dois irmãos e a avó, Maria Vanilda, grande incentivadora desde os tempos de Juventude. Foi ela que deu um videogame ao garoto, como uma barganha para que, em troca, entrasse numa escolinha de futebol.

A APOSTA DO CRUZEIRO NA SELEÇÃO

William era meia na base do Juventude e se transferiu para o Internacional com 15 para 16 anos. A lateral direita veio por acaso, em um treino comandado por Clemer, ex-goleiro colorado.

Como estava sem contrato, William não pôde viajar com time da sua idade —dos nascidos em 1995. Foi treinar com a turma de 1994 e apareceu uma vaga na atividade. Clemer perguntou quem poderia fazer a lateral, e o garoto não pestanejou. Nunca mais trocou de posição e decolou. Tanto que foi campeão olímpico.

O Cruzeiro, ainda sob o controle de Ronaldo Fenômeno, também precisava de um lateral-direito. E os contatos com o empresário de William resultaram em uma chance, formalizada em dezembro de 2022. Um voto de confiança de que aquele jogador que tinha brilhado pelo Internacional e até feito boas temporadas na Alemanha até as lesões poderia render.

Em 2023, William somou 40 jogos pelo Cruzeiro. Algo que não batia desde 2016, segundo ano no profissional do Inter. Fez um gol contra o Náutico, na Copa do Brasil, e deu quatro assistências. Mas chamou atenção pelo volume ofensivo que gerava, mesclando isso com a consciência defensiva que adquiriu nos tempos de Europa. O bom nível seguiu em 2024, com direito a um golaço sobre o Fluminense, no Brasileirão.

Neste ano, William entrou em campo com Pedrinho no colo e de mãos dadas a Noah. Foram esses mesmos parceirinhos aos quais ele se apegou no momento mais duro da carreira para, nesta terça-feira (3), comemorar a aguardada convocação. É como se Pedrinho também chegasse à seleção.

IGOR SIQUEIRA / Folhapress

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