Como foi o festival de Música de Trancoso, o MET, que uniu o erudito ao popular

TRANCOSO, BA (FOLHAPRESS) – No meio da mata da Costa do Descobrimento, no sul da Bahia, um monumental anfiteatro a céu aberto, erguido em aço e concreto, fez ecoar os sons de violinos, trompetes e fagote sobre o habitual coaxar de sapos por cinco noites seguidas até o último sábado (9).

A décima edição do festival Música em Trancoso, conhecido como MET, teve composições do russo Sergei Rachmaninoff e da cantora Luedji Luna, do americano George Gershwin e de Caetano Veloso, de Heitor Villa-Lobos e de Mariana Aydar, de Johann Sebastian Bach e de Luiz Gonzaga.

As combinações improváveis fizeram com que alguns espetáculos terminassem com o público levantando de suas cadeiras para dançar na frente do palco. É uma extravagância para eventos do gênero, tornada possível porque o festival põe o erudito em convívio com o popular.

“Acredito num concerto que precisa se reinventar. Temos esse desafio de tornar acessível a música clássica”, diz o maestro e curador Carlos Prazeres, titular há 13 anos da Orquestra Sinfônica da Bahia, a Osba, eleita a melhor orquestra do país no Prêmio Profissionais da Música. “Precisamos convencer o público de que ele terá uma experiência sensorial, para a alma, diferente de tudo que está acostumado.”

Carismático e jovial, de brinco e tatuagem, Prazeres tomava o microfone entre os concertos para contar curiosidades sobre as composições e seus autores ou chamar a atenção para as histórias por trás das canções.

Antes de apresentar a ópera “Porgy e Bess”, de Gershwin, e os quatro solistas negros que a interpretariam, na última terça-feira (5), Prazeres explicou detalhes da história de amor entre um mendigo e uma prostituta num gueto da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, dos anos 1920.

Quando a soprano Marly Montoni, a contralto Ednéia Oliveira, o tenor Geilson Santos e o barítono Davi Marcondes deixaram o palco sob aplausos e assobios, subiu Luedji Luna para a sua apresentação, toda de branco e sob gritinhos da plateia.

“Não sabia da existência desse festival no sul da Bahia, com esse teatro chiquérrimo”, disse a artista. “Eventos assim, fora do eixo, são bons para o território e para o artista.”

Além de ampliar o público da música clássica, o MET tem outros dois desafios -tornar-se mais conhecido e, finalmente, ser autossustentável. Idealizado em 2012 pelo bilionário austríaco Reinold Geiger, presidente da marca francesa de cosméticos L’Occitane, o evento teve seus custos majoritariamente bancados por seu criador.

Esta edição foi a primeira em que as contas fecharam independentemente, com patrocínio de R$ 3 milhões do Banco Santander via Lei de Incentivo à Cultura e uma série de apoios de empreendedores locais.

Apaixonado por Trancoso, onde mantém há quase 20 anos uma mansão de veraneio com chalés para dezenas de convidados, ele queria democratizar o acesso à música clássica nas comunidades da região, enquanto se divertia em suas temporadas num dos destinos preferidos dos ricos brasileiros.

“As pessoas daqui ficaram surpresas. Vi gente chorando, emocionada com a música”, diz ele, ao se lembrar da primeira edição do MET.

O projeto ganhou corpo quando Geiger decidiu bancar a construção de uma sede para o festival. A construção em formato de concha, com um anfiteatro a céu aberto e outro coberto, foi desenhada pelo arquiteto François Valentiny, responsável por uma das salas de espetáculos do circuito do célebre Festival de Salzburgo, na Áustria.

“É um projeto totalmente louco, porque normalmente se faz um teatro em uma cidade grande ou perto de uma cidade grande”, ele diz, que investiu cerca de R$ 40 milhões na construção, inaugurada em 2014. “Mas queríamos fazer algo para a comunidade, e o resultado ficou fantástico.”

O teatro fica no condomínio Terravista, que reúne casas de centenas de metros quadrados, aeroporto privado e um Club Med, além de um edifício anexo com sete salas acústicas dedicadas a aulas magnas de músicos convidados do MET para jovens talentos dos arredores de Trancoso.

Musicistas virtuosos, como o violonista espanhol Pablo Sàinz-Villegas e o pianista brasileiro Cristian Budu, considerado o melhor do país, participaram desta edição, além de Moreno Veloso e Elba Ramalho. Cerca de 20% dos ingressos foram cedidos gratuitamente para alunos das escolas da rede pública da região. Outros 30 foram vendidos a preços populares, por R$ 35. A entrada tradicional custava R$ 250 por dia.

“Simplesmente transpor para cá o modelo dos grandes festivais do exterior é relegar a música clássica só para as elites. O repertório popular, ao lado do erudito, cria a sensação de pertencimento do público. Precisamos saber adaptar esses padrões à nossa realidade. Isso é antropofagia pura.”

FERNANDA MENA / Folhapress

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