Como funciona a auditoria das eleições na Venezuela que Maduro exalta

CARACAS, VENEZUELA (FOLHAPRESS) – Neste ano em que ocorre uma das eleições mais importantes da era chavista, a Venezuela completa duas décadas de uso de um sistema com dupla checagem eleitoral elogiado por especialistas independentes a despeito do rumo autoritário que tomou o país.

É esse modelo automatizado, no qual cidadãos votam em urnas eletrônicas que imprimem um comprovante em papel para o eleitor depositar em uma urna física posicionada logo ao lado, que vem sendo exaltado por Nicolás Maduro em seus comícios.

O líder do regime usa o tema para afastar as acusações opositoras de que poderá tentar fraudar o resultado das urnas, já que o herdeiro de Hugo Chávez não dá sinais de disposição para deixar o poder.

Ele chegou a comparar o modelo venezuelano ao de outros países, incluindo o do Brasil, para criticá-los, sem provas.

Mas os elogios ao sistema eleitoral da nação caribenha não suprimem os inúmeros empecilhos democráticos do pleito atual. Os mesmos especialistas que exaltam o sistema afirmam que de livres as eleições do próximo domingo (28) não têm nada.

Como se vota na Venezuela?

O país possui um sistema automatizado de votação, modelo em partes semelhante às urnas eletrônicas das eleições brasileiras. Ao chegar ao centro de votação a ele designado, o eleitor apresenta sua cédula de identidade, que pode inclusive estar vencida. Na sequência, a máquina colhe sua digital e só então a urna é ativada, abrindo a tela com as opções dos dez candidatos, todos homens, que disputam este pleito.

O cidadão escolhe o candidato clicando na tela, o que chama a atenção da comunidade internacional. Ocorre que a cédula eleitoral repete a figura dos candidatos, já que eles aparecem acima de cada um dos partidos que compõem sua coalizão. Maduro dá as caras 13 vezes, por exemplo. O eleitor pode clicar em qualquer uma de suas figuras.

É então que essa urna eletrônica imprime um comprovante do voto com o nome do candidato escolhido, para que o eleitor a deposite na sequência em uma urna física ao lado. Fim: voto computado.

E como se auditam os votos no país?

A votação se encerra às 19h de Brasília (18h locais), mas eleitores que estão na fila ainda têm direito de votar. Pleito encerrado, as máquinas enviam os resultados de suas atas eleitorais eletronicamente para a sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Mas também há um outro processo de auditoria, a chamada “auditoria cidadã” criada na era chavista.

Por meio de um sistema de sorteio, são escolhidas as urnas que serão auditadas naquele centro de votação. Há 30 mil urnas eletrônicas, e 54% delas devem ser auditadas no total.

Isso significa que as testemunhas dos partidos e os funcionários eleitorais imprimirão a ata da máquina e abrirão a respectiva urna com os papéis para conferir se: 1) a quantidade total de votos corresponde; 2) a quantidade de votos para cada candidato corresponde.

Antes do dia de votação, o país vive também uma jornada de outras 16 auditorias. São semanas nas quais checam-se o funcionamento das urnas eletrônicas e das máquinas de leitura digital, por exemplo, além das listas de votação de cada centro e da capacitação dos cidadãos convocados para operar a mesa de votação.

Mas, neste processo, começam os poréns: a oposição afirmou, nestes dias que antecedem o pleito, que o CNE tem impedido que suas testemunhas inscritas há um mês no sistema obtenham suas credenciais físicas. O órgão nega.

Antes mesmo, a campanha opositora já havia afirmado que, neste ano, a inscrição de testemunhas já havia sido dificultada. Diferentemente dos anos anteriores, agora só é possível ser testemunha de um centro de votação para o qual se foi designado pelo sistema para votar.

Já houve acusação de fraude?

Sim. Em 2017, quando Maduro, no poder havia três anos, convocou eleições para formar uma Assembleia Constituinte, a empresa então responsável pelo sistema das urnas, a Smartmatic, denunciou manipulação. Eles teriam o registro eletrônico de mais de 1 milhão de votos que o CNE não computou ao publicar os resultados finais em sua página online. O órgão negou fraude e rompeu com a empresa.

Para o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano, Luis E. Lander, o sistema automatizado de votação no país é “completamente confiável”. Mas a acusação de fraude também foi “absolutamente contundente”.

Para que isso não ocorra, ele diz ser necessário que o CNE publique os resultados desagregados também por mesa de votação, para que as testemunhas que ali estiveram na chamada “auditoria cidadã” possam checar as informações, como o número total de votos. Nem sempre o órgão faz isso. Para este ano, afirma que o fará.

Em 2020, um incêndio destruiu o galpão que armazenava a maior parte das urnas venezuelanas. No ano seguinte o país comprou novas urnas, mas sem realizar licitação. As suspeitas da oposição só refluíram depois que um comitê técnico plural as examinou e testou por mais de um mês e meio e garantiu que eram seguras.

Por que se diz que estas eleições não são livres?

Ainda que com um sistema confiável e uma auditoria extensa, a eleição na Venezuela é descrita como envolta em um manto de arbitrariedades pelas decisões do regime no decorrer dos últimos meses.

Primeiro, a inabilitação de candidatos políticos, como María Corina Machado, a principal líder opositora. Luis E. Lander explica que essa medida viola a Constituição local. “Foram decisões administrativas arbitrárias da Controladoria-Geral nas quais não houve julgamento, nem direito de defesa, como prega a Carta Magna.”

Mais, o regime desincentivou o voto dos migrantes venezuelanos. Com 28 milhões de habitantes hoje, a Venezuela tem mais de 7,7 milhões de refugiados ou migrantes que saíram do país. Mas apenas 69 mil deles estão inscritos para votar.

Pipocam acusações de que os consulados não lhes deram atendimento e dificultaram o registro eleitoral ao exigir que tivessem situação migratória regular em seus países de residência, uma realidade pouco ou nada comum para a nacionalidade venezuelana.

O regime também reduziu o processo de observação eleitoral externa. As figuras atualmente convidadas de outros países para acompanhar o pleito são majoritariamente aliadas do chavismo.

Enquanto isso, para Caracas, o país tem o “melhor sistema eleitoral do mundo”, segundo o presidente do CNE, Elvis Amoroso. “Garantimos a você, venezuelano, que vai exercer seu direito ao voto com rapidez, assim como garantimos que seu voto depositado se refletirá na escolha do próximo presidente”, ele tem dito.

São mais de 21 milhões de eleitores, 15,8 mil centros de votação e mais de 30 mil urnas. O voto não é obrigatório.

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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