Como Grelo teve a música mais ouvida do Brasil antes mesmo de fazer um show

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na última sexta-feira (16), quando subiu ao palco pela primeira vez na vida, o cantor Grelo já era o dono da música mais escutada do país. O vídeo publicado nas redes sociais é impactante —ele surge ajoelhado, agradecendo aos céus, enquanto a plateia em Imperatriz, no Maranhão, levanta os braços e berra em coro o refrão de “Só Fé”.

O atual ocupante do topo da lista de mais tocadas do Spotify é um goiano de 26 anos, compositor de hits para a elite do sertanejo, que canta Racionais em ritmo de seresta e versa sobre o prazer da vida cotidiana. No refrão de sua música mais conhecida, diz que só precisa de dinheiro “para comprar o mé [álcool], o leite das crianças e o Modess da mulher”.

O Grelo existe há cerca de um mês, mas Gabriel de Ângelo, pessoa por trás da persona, já se considerava um vencedor antes de se lançar como intérprete. “O show foi mágico, mas não sonhei com isso”, diz. “Eu estava confortável com minha carreira na composição. Já sou consagrado, tenho 508 músicas gravadas.”

Autor de sucessos sertanejos há seis anos, Grelo fez uma brincadeira com os amigos Henrique & Juliano —uma das maiores duplas do país, agora empresários do cantor. Comprou um teclado novo, programou sonoridades de seresta e saiu cantando músicas que ama, incluindo “Vida Loka pt. 1”, clássico dos Racionais MCs.

Os vídeos caseiros desse momento, em uma pescaria, viralizaram. “De repente os áudios estavam em todas as plataformas, alguém subiu”, ele diz. “E já estava no ‘top um’ dos virais, nos ‘em alta’. Me falaram que ‘se você não lançar sua carreira, alguém vai lançar e ganhar dinheiro em cima de você’.”

Apesar de compor no sertanejo, o Grelo canta seresta. Herdeiro da modinha, de origem erudita e europeia, segundo o pesquisador José Ramos Tinhorão, esse estilo no Brasil se transformou através da população negra e da canção popular, com forte apelo romântico.

Desde o século passado, tornou-se um gênero próprio no Maranhão, muito conectado ao brega e aos sons de teclado. Eternizada em “Morango do Nordeste”, por Lairton e seus Teclados, hoje a seresta está na base da música de artistas contemporâneos do arrocha, entre eles Nadson o Ferinha e Raquel dos Teclados.

“Sempre amei seresta”, diz o Grelo. “Viajo oito, nove horas escutando todas da Raquel, de Washington Brasileiro… É brega mesmo. Quem não gosta acha que é loucura. Dimas e Seus Teclados é absurdo, dá vontade de sair correndo pelado no meio da rua.”

A ideia, uma brincadeira a princípio, era botar Racionais e Charlie Brown Jr. na seresta. Deu tão certo que ele compôs três músicas para o estilo, já como Grelo, além de reunir um repertório que vai de Ana Carolina a NX Zero, passando por uma composição de Marisa Monte com Moraes Moreira eternizada por Cássia Eller e raps do cerrado —”Eu Queria Mudar”, dos brasilienses Pacificadores, e “CL Aparecida”, dos goianos CL a Posse.

“Escuto muito rap, todos que você puder imaginar —Sabotage, Tribo da Periferia, Cirurgia Moral—, e desde criança, sempre gostei”, diz Grelo. “Fiz [o repertório] como se a pessoa tivesse viajando de carro comigo. Vem um Tião Carreiro, depois um Racionais, uma Cássia Eller, volta pra outro rap e por aí vai.”

O Grelo nasceu em Anápolis, há cerca de 60 km de Goiânia, onde mora até hoje. Seguiu a carreira do pai de torneiro mecânico, mas também vendeu capinhas de telefone e espetinho e trabalhou num lava-jato.

Se envolveu com música na igreja e já tinha alguns rascunhos de canções quando um amigo perguntou se podia terminar um deles e tentar vender. “Forçar a Barra”, sertanejo que retrata um pós-término, foi gravada pela dupla Ciro Netto e Manuel, de alcance local.

“Lembro que peguei R$ 5.000 da minha parte da venda. Ganhava R$ 1.700 na carteira [de trabalho], então era três vezes o meu salário”, diz. “Comecei a me mexer, fui na empolgação e depois vi a realidade do mercado.”

Até emplacar hit atrás de hit, Grelo —como compositor, ele assina De Ângelo— passou um período tentando entender como poderia se diferenciar dos outros autores. São dezenas de milhares concorrendo para estar no repertório dos cantores mais populares.

“Tento falar de coisas do dia a dia. Não falo do céu, das estrelas ou da lua. Sento e crio um cenário. Por exemplo, acabei de ser largado pela mulher, o que vou fazer? Vou a algum lugar esfriar a cabeça? Chegando lá, pedi uma cerveja? Veio um amigo conversar?”, ele diz. “Não adianta falar que comprei um milhão de flores e mandei entregar. Ninguém faz isso. Tem músicas assim, mais figurativas, que são lindas, bonitas de escutar. Mas sou da turma que fala as coisas como nós fazemos.”

Dessa abordagem vieram “Quarta Cadeira”, gravada por Matheus & Kauan com Jorge & Mateus, “Alô, Ambev (Segue Sua Vida)”, por Zé Neto & Cristiano, que também cantam “S de Saudade” com Luíza & Maurílio e “Volta por Baixo”, por Henrique & Juliano. Só no Spotify, a soma dessas quatro músicas lançadas entre 2019 e 2020 beira o bilhão de reproduções.

E o Grelo —neste caso, De Ângelo— não parou mais. Ao lado de Eduardo Pepato, produtor conhecido pelo trabalho com Marília Mendonça, entre outros sertanejos, ele é coautor das três músicas mais tocadas nas rádios no ano passado. Isso inclui “Erro Gostoso”, hit na voz de Simone Mendes.

No projeto a que dá voz e rosto, Grelo tem outra cara. O nome vem de apelidos relacionados à magreza, como “magrelo” e “grilo”, de que foi chamado a vida toda —além da brincadeira com o termo popular para clitóris. A capa de seu álbum, “É o Grelo”, traz o cantor segurando um teclado, de regata e óculos Juliet —este, típico do funk.

“Tem um pouco de humor e de verdade”, diz. “O teclado é pela seresta, o Juliet é pelo rap, e pelo funk que ainda vou gravar. Tentei juntar tudo numa pessoa só, com a minha verdade. Saio de regata mesmo sendo magro, não estou nem aí. Aceitei meu corpo, não quero tomar bomba. Se eu fosse triste com a magreza, ia ser infeliz. Não tem como mudar a genética.”

Grelo encarna diversas expressões culturais do Brasil, da seresta nordestina à música urbana de São Paulo, tudo sob o tempero goiano. Mas sua força, em especial do hit “Só Fé”, está também no discurso de encontrar a felicidade em coisas simples.

“Dizem que romantizo a pobreza. Não existe isso. A pessoa está tão corrompida pelos dias de hoje —em que você só é feliz quando tem dinheiro— que quando você diz o contrário é burrice”, afirma Grelo. “Começaram a achar que simplicidade é tristeza, que você ser humilde é ser medíocre —e não tem nada a ver.”

Evangélico desde criança, o Grelo diz que segue os ensinamentos da Bíblia na medida do possível, mas “isso não quer dizer que quem não siga está errado”. Sua poesia é quase um contrasenso numa era de ostentação de vidas luxuosas nas redes sociais e coaches e bets prometendo enriquecimento fácil.

“Todos os coaches na internet falam que você precisa ser milionário, montar seu negócio, ter carro de R$ 100 mil. Pregam que felicidade é dinheiro 24h por dia. Tem que ter alguém puxando pra realidade. O Grelo veio falar que você precisa ter a melhor casa, o melhor carro, o sonho te move. Mas vamos curtir ao máximo a vida —fazer uma piada, dar um abraço na mãe, jogar uma bola”, diz.

“O que mais tenho hoje é amigo rico depressivo, tomando remédio pra dormir, pra acordar, pra rir. Então, realmente, felicidade não está no dinheiro, né?”

É O GRELO

– Onde Nas plataformas digitais

– Autoria Grelo

– Gravadora Independente

LUCAS BRÊDA / Folhapress

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