RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – A guinada na carreira do goleiro Hugo Souza passa por várias escolhas. De diferentes proporções. Não só as que envolvem qual lado pular na hora de defender três pênaltis e classificar o Corinthians às quartas de final da Sul-Americana, por exemplo.
Qual série assistir? O que comer? Como se preparar fisicamente e também lidar com o dinheiro? Para ajudá-lo, foi preciso um ajuste na mentalidade, reconhecido pelo próprio Hugo.
Quando iniciou a passagem pelo Desportivo Chaves, em Portugal, recorreu a um amigo que tinha conhecido no futevôlei, no Rio, quando defendia o Flamengo adversário deste domingo (1º), pelo Brasileirão.
Victor Aguiar não se define como coach. É um CEO de atletas. Ele exibe diplomas em cursos nos Estados Unidos, onde também ganhou bolsa integral na universidade para jogar futebol. Passou quatro anos na Flórida, mas não chegou a ser profissional.
“Muitas vezes eu faço pelo atleta aquilo que muitas das pessoas não tem a habilidade, a intimidade ou até mesmo a coragem para fazer”, define Victor à reportagem.
A oferta do serviço é de mentoria e gestão. Da vida, e não das negociações, já que isso fica com os empresários dos jogadores com quem atua. “Eu só aprimoro o atleta do agente”, ressalta.
DA MÚSICA À COMIDA
O nome do cargo é porque ele enxerga o jogador como uma empresa. E se propõe a atuar em vários departamentos. Preparação física, nutrição, conselhos gerais finanças, quais seriados assistir, que tipo de música ouvir e como conduzir relacionamentos. Não como especialista em cada área, mas trabalhando a ideia macro sobre cada uma.
A proposta também é dar um ar de profissionalismo ao redor de Hugo. Por isso, dois amigos próximos que ajudavam o goleiro informalmente foram contratados.
“Eu não monto um atleta, eu não transformo um atleta num personagem. Eu direciono. É um trabalho muito forte, muito abrangente. Falo: ‘neste domingo (1), sem falta, isso daqui precisa mudar’. Aí, vai caber a ele, naquele momento, naquela situação, discernir e criar consciência. Porque não sou eu que faço com que o atleta faça algo. É a consciência que tem através do nosso trabalho. Senão, eu vou transformar ele numa marionete”, disse Victor.
O nível de profundidade e abrangência do CEO de atletas vai depender da abertura de cada cliente.
Se necessário, Victor delega ou contrata outros profissionais de áreas específicas. Foi assim na nutrição, por exemplo. Hugo precisou de uma cozinheira para se alimentar melhor em casa e ajudar a controlar o peso. Também conta com um trabalho personalizado de fisioterapia. Tudo passa pelo CEO.
Com Hugo, os conselhos começaram sobre o entendimento da identidade dele: quem era o jogador, como ele se via e onde gostaria de chegar no futuro próximo. Isso foi feito em reuniões online e, nas férias, com intensivões em um escritório na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio.
A parte da música e séries entra num aspecto sobre quais gatilhos mentais ativar. Antes dos jogos, especialmente. Por isso, Hugo prefere música gospel.
“São músicas que trazem discernimento, que trazem humildade, foco, paixão e concentração. É um aspecto ativacional. Um dos pontos que eu passo é a diferença entre a parte motivacional e a parte ativacional. Se eu for o motivador do atleta, ele vai estar sempre na minha dependência”, explica Victor.
A MUDANÇA EM CAMPO
Hugo já mencionou em algumas entrevistas como a mudança de mentalidade fez sentido para ele.
O goleiro saiu do Brasil para um empréstimo em Portugal. Foi de titular a terceiro goleiro do Flamengo. Começou com destaque em 2020, em um campeonato afetado pela Covid, mas oscilou e perdeu espaço.
Antes disso, um episódio no qual ganhou de presente um carro de luxo, avaliado em R$ 400 mil, marcou a transição do garoto de Duque de Caxias para o goleiro promissor do Flamengo.
“O problema não foi o carro, o problema não foi a exposição, o problema foi como o Hugo estava preparado para receber aquilo. E ele sabe disso, ele reconhece isso”, afirma o mentor e gestor de Hugo Souza.
Ele não pagou pelo veículo, mas, de fato, o fluxo de dinheiro em casa aumentou. Aí, os pés saíram do chão. Com a cabeça a mil, vieram as falhas e a perda de espaço no Flamengo.
Foi preciso ir para Portugal, dar um passo atrás na carreira, parar no time que seria rebaixado e lanterna do campeonato. Mas foi onde Hugo conseguiu trabalhar, e muito, para retomar a forma que o levou à seleção sub-20 e rendeu uma convocação experimental à seleção principal.
“O Hugo tinha um ápice de performance que ele não estava sendo demonstrado por inúmeras razões. Ele abdicou do status que ele tinha para se colocar no papel de extrema humildade, para aprender. Ele mesmo fala o que a gente trabalha aqui: O que é dinheiro? Para que serve o dinheiro? Na época, a gente passou para ele que dinheiro é para você ter segurança, realizar os seus sonhos e para você transbordar, ser generoso. Você precisa ser responsável. Com isso, dinheiro é uma ferramenta”, afirmou o Victor Aguiar.
TRÊS PÊNALTIS? DE NOVO
O que o torcedor do Corinthians viu diante do Red Bull Bragantino a defesa de três pênaltis em um jogo só aconteceu em Portugal. Não foi em uma disputa valendo classificação em mata-mata, mas aconteceu diante do gigante Benfica. Diante de Di María e Arthur Cabral, duas defesas valeram e uma foi anulada por invasão. Ainda assim, o Chaves perdeu por 1 a 0.
No Corinthians, Hugo se reencontrou. Fora dos planos do Flamengo novamente, chegou por empréstimo com obrigação de compra ao término do contrato atual.
Pela fase atual, o goleiro já fez a torcida deixar para trás a preocupação após as saídas quase simultâneas de Cássio e Carlos Miguel.
“Ele treinou muito mais. Ele treinou de forma mais inteligente. Ele descansou muito mais. Ele criou consciência automaticamente, mudou a forma que ele usava o dinheiro, a forma que ele se comunicava, a forma como ele se enxergava, a forma como ele liderava. Ele ganhou conhecimentos que fizeram com que ele entendesse a importância do descanso, a importância de detalhes. Se o Hugo não trabalhasse, não estivesse focado, concentrado, disciplinado, se ele não fosse humilde, ele não estaria aqui”, completa o mentor.
O efeito estará à prova mais uma vez, diante do próprio Flamengo. O Corinthians, inclusive, pagou R$ 500 mil para contar com o jogador em campo durante o empréstimo.
O CEO de atletas tem um cliente mais recente no Corinthians: Talles Magno.
IGOR SIQUEIRA / Folhapress