SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Moana não se considera uma princesa, mas é tratada como tal. Sua comunidade, das crianças aos idosos, a reverenciam como uma líder, enviada dos deuses para desbravar o oceano em nome de todos. Essa adoração, além de conduzir a história do filme “Moana 2”, também dá o tom da relação que a personagem tem com seus fãs na vida real.
Desde que surgiu, há oito anos, Moana se tornou figura identitária para crianças não brancas que não se viam nas tradicionais princesas da Disney. No novo filme, que entra em cartaz nesta quinta-feira, a personagem reforça esse apelo para uma geração mais jovem e ainda mais exigente com questões de diversidade -ainda que, na última década, os resultados financeiros e artísticos dessas apostas tenham oscilado.
Descobrimos agora que Moana virou velejadora após cruzar os mares da Polinésia para salvar sua gente e encontrar um propósito. Suas peripécias são interrompidas quando ela recebe uma visita espiritual de seus ancestrais, que a orientam a explorar águas longínquas para resgatar uma ilha submersa, encontrar povos perdidos e reunir uma nação despedaçada.
A continuação dá mais vislumbres da comunidade Motonui, liderada por Moana, e mostra que suas aventuras inspiram outras meninas a se vestirem e agirem como ela. São as “moanetes”, um personagem brinca a certa altura.
Um fenômeno parecido ocorreu fora das telas. Após a estreia do primeiro filme, em 2016, lojas de brinquedo ficaram entupidas de Moanas plastificadas, bonecas de pele escura e cabelo enrolado, expostas em meio às Barbies brancas de cabelo liso.
E, se as irmãs Elsa e Anna de “Frozen”, de 2013, tinham virado obsessão das festas de aniversário infantis, a viajante marítima também se tornou um pedido frequente às boleiras -e é até hoje.
A personagem passou a estampar mochilas, lancheiras, sandálias, maquiagens, e tudo quanto é tipo de produto, oficial ou não.
“Me lembro de pensar, nessa época, que gostaria de ter tido uma Moana para admirar quando era criança”, diz Dana Ledoux Miller, uma das diretoras de “Moana 2”, que nasceu na Samoa, um país da Polinésia. “Queria que meus primos, que todos nós tivéssemos tido uma representação como ela. Não me surpreende que o filme tenha marcado tantas pessoas.”
Moana não é a primeira personagem não branca a ser coroada princesa pela Disney. Antes dela, houve, por exemplo, a Tiana de “A Princesa e o Sapo”, que é negra. Mas seu rosto não ficou tão popular, seja graças à baixa bilheteria do filme -que falhou em tentar retomar o traço das animações antigas em meio à ascensão do 3D-, porque Tiana aparece mais como sapo do que como humana, ou por puro preconceito do público.
Antes, nos anos 1990, o estúdio apostou também nas princesas Pocahontas, uma personagem indígena, e a chinesa Mulan. O problema é que ambas receberam críticas por apresentarem suas culturas a partir de estereótipos.
Entre elas, então, Moana foi quem melhor rompeu as barreiras, em termos de cultura e de negócios, para mergulhar a Disney numa onda de diversidade.
No mesmo ano de “Moana”, o estúdio apostou em “Zootopia”, que discute racismo numa sociedade de bichos, e anos depois lançou “Encanto”, com os dramas de uma família colombiana. Ambos os filmes levaram o Oscar de melhor animação.
Por outro lado, “Raya e o Último Dragão”, protagonizado por uma princesa inspirada em povos do Sudeste Asiático, e “Wish”, que sagrou os cem anos do estúdio com outra heroína de pele escura, ficaram esquecidos pelo público. “Mundo Estranho”, com o primeiro protagonista num relacionamento gay, também não colou, tendo feito pouco mais de US$ 70 milhões de bilheteria, valor baixíssimo para os parâmetros da Disney.
Houve, ainda, uma alta na maré de live-actions calcados no identitarismo. O “Aladdin” de 2019 e “Mulan” de 2020, com gente de carne e osso, tentaram corrigir os erros das animações, e depois a Disney escalou uma atriz negra para viver a Pequena Sereia.
Não à toa, “Moana” também surfará nessa onda, num live-action que recriará a trama original daqui dois anos, com o musculoso Dwayne Johnson, o The Rock, no papel do semideus Maui.
Tudo isso só aconteceu após o estúdio americano decidir que teria de contratar consultores se quisesse aperfeiçoar as tramas de fora do eixo Estados Unidos-Europa. No caso de “Moana”, a história foi supervisionada por um grupo chamado Oceanic Cultural Trust, com antropólogos, historiadores e linguistas especialistas na vida dos moradores das ilhas polinésias.
Os engravatados da Disney ouviram até os pitacos de coreógrafos de povos da região para garantir que os personagens não fizessem dancinhas estereotipadas.
“Moana” foi um sucesso de bilheteria, somando US$ 650 milhões de dólares de bilheteria, cerca de duas vezes e meio a mais que “A Princesa e o Sapo”, lançado sete anos antes. A continuação chega com boas expectativas após bater o recorde da Disney, com uma pré-estreia na terça que somou US$ 13,8 milhões.
O filme original se provou ainda um sucesso a longo prazo, tendo sido o mais visto no streaming no ano passado, segundo a Nielsen, empresa que analisa dados de audiência. Saber disso deu um gás na produção da sequência, afirma David Derrick Jr., que também ocupou uma das três cadeiras de direção.
“Moana 2” deveria ter sido uma série de TV lançada no streaming da Disney, mas o projeto mudou de rumo, e, às pressas, foi transformado num longa-metragem. A justificativa era de que os cinemas fariam mais jus à história. “Talvez tenhamos pensado, de forma ingênua, que o processo seria fácil. Mas não foi”, diz Derrick Jr. “Tivemos que fazer muitos ajustes, e garantir que o filme focasse no ponto de vista da Moana.”
Isso porque embarcam nesta aventura três novos personagens, além de Maui, o semideus que ajudou ela a salvar o oceano no primeiro filme. A tripulação agora inclui Kele, um idoso ranzinza, Loto, uma entusiasta das navegações, e Moni, rapaz fã número um de Maui.
E, se o filme até ensaia uma paquera entre Moana e Moni, os mais apaixonados ficarão a ver navios. Aqui, como no original, não há tempo para romance -o que fez Moana afundar ainda mais o conceito de princesa que antes imperava na Disney.
Questionados, os diretores desviam do assunto. Dizem só que quiseram ficar alinhados aos dramas pessoais da velejadora, e que por um acaso amor romântico não era um deles. Isso não indica, porém, que eles desejam o fim dos príncipes encantados.
A cineasta Dana Ledoux Miller, aliás, deve seguir submersa no universo de “Moana”. Ela escreveu o roteiro da versão live-action do primeiro filme. Além do The Rock, a protagonista será feita pela atriz australiana, Catherine Laga’aia, que tem descendência samoana -e, verdade seja dita, parece mesmo uma versão humana de Moana. A ver se, até lá, essa história não vai enjoar, e o caldo, transbordar.
MOANA 2
Onde Nos cinemas
Classificação Livre
Produção EUA e Canadá, 2024
Direção David G. Derrick Jr., Jason Hand e Dana Ledoux Miller
GUILHERME LUIS / Folhapress