Como os buracos negros se tornam ‘buracos brancos’, segundo o físico Carlo Rovelli

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não é raro um cientista de renome se encantar tanto com sua ideia ou teoria favorita a ponto de escrever um livro de divulgação para convencer as pessoas de que ele está no caminho certo.

Mais incomum é o pesquisador que, a despeito de suas convicções, admite as incertezas e se concentra em comunicar ao público o entusiasmo e a trepidação envolvidos na própria prática científica, durante a tentativa de revelar algum aspecto novo sobre a natureza. É nesta categoria que entra Carlo Rovelli, com seu mais novo livro, “Buracos Brancos”.

O físico italiano, hoje associado ao Centro de Física Teórica da Universidade Aix-Marseille, na França, e ao Instituto Perimeter, no Canadá, traz em uma obra sintética as bases da proposta que o vem cativando há uma década: a de que buracos negros, ao longo de sua vida, se convertem em buracos brancos.

“Nem ao menos sei se os buracos brancos existem de verdade, no mundo real. Sabemos muito sobre os buracos negros —nós os detectamos—, mas ninguém jamais encontrou buracos brancos”, escreve, com franqueza, no início do livro.

Dividido em três partes, a obra alterna entre blocos de texto explicativo e comentários que representam o fluxo de pensamento do autor. Mas por que explorar uma proposta tão especulativa como os buracos brancos?

“Porque acho que o aspecto mais interessante e fascinante da ciência é o caminho da própria pesquisa, ainda mais que os resultados. Ver como ideias nascem, são discutidas, como elas são de início incertas e talvez cresçam. Este não é um livro sobre resultados em ciência. É um livro sobre como a ciência teórica é feita, incluindo imaginação, emoções e incerteza”, diz Rovelli à Folha.

“Quero mostrar isso ao público. E também [o escrevi] porque acho que buracos negros e buracos brancos são uma grande jornada e explorá-los é uma grande aventura intelectual e um banquete para a imaginação.”

O livro de fato se propõe a isso: explicar o que sabemos sobre buracos negros —objetos cuja gravidade é tão intensa que nada pode escapar deles, nem mesmo a luz—, desenvolver ideias sobre o que poderíamos experimentar se adentrássemos um buraco negro, e então apresentar a ousada aposta de que buracos negros estão destinados a se tornar buracos brancos –uma espécie de buraco negro com seta do tempo invertida.

Em vez de ser algo de onde, uma vez que se entra, nunca mais se sai, os buracos brancos seriam algo que nunca pode ser adentrado, e matéria e energia dali só podem sair.

Do ponto de vista da física, a ideia ajudaria a resolver um dos grandes mistérios em torno dos buracos negros, problema que ficou conhecido como o paradoxo da informação.

Cada partícula que cai num buraco negro manifesta estados quânticos que representam informação. Uma premissa básica dos cientistas é de que a informação nunca se perde, mas os buracos negros tornam isso difícil.

Uma vez que ela entre lá, não pode sair, mas sabemos que, com o tempo, buracos negros evaporam, e que a radiação que os faz evaporar (uma descoberta feita por Stephen Hawking) não pode transportar a informação que caiu lá dentro de volta para fora. Ou seja, o buraco negro eventualmente sumiria e, com ele, toda a informação que existia na matéria que caiu lá.

Rovelli usa a matemática da teoria que ajudou a desenvolver para tentar conciliar a gravidade com o mundo quântico, conhecida como gravidade quântica de loops, para calcular o que aconteceria ao buraco negro se, após seu colapso completo em uma singularidade, um efeito rebote o convertesse em um buraco branco. E aí o paradoxo da informação simplesmente some.

“Acredito que a ideia de que buracos negros apresentam um paradoxo para a informação é baseada numa premissa errada”, diz. “A possibilidade teórica dos buracos brancos mostra que o problema não está lá. O interior do buraco negro, depois branco, permanece muito grande e pode armazenar grande quantidade de informação e liberá-la mais tarde, mesmo se o horizonte do buraco permanecer pequeno.”

Uma das ideias importantes do livro é lembrar que o tempo se passa em ritmos muito diferentes dentro e fora de um buraco negro. Para quem está dentro, a conversão de buraco negro para branco aconteceria muito rapidamente. Contudo, do lado de fora, esse processo levaria muitos bilhões de anos.

Todos os buracos negros resultantes do colapso de estrelas que vemos por aí, para não citar os supermassivos, ainda não teriam tido tempo, medido aqui do lado de fora, para se converterem em buracos brancos.

“Mas buracos negros mais antigos talvez”, diz o físico. “Por exemplo, aqueles que podem ter sido produzidos nos momentos infernais do universo muito jovem, ou mesmo antes do Big Bang, em uma fase anterior do universo.”

Rovelli termina o livro com uma hipótese intrigante: a de que a misteriosa matéria escura, que percebemos apenas indiretamente por seus efeitos gravitacionais, possa ser composta por buracos brancos gerados a partir desses buracos negros primordiais.

“Estou longe de ter certeza de que esse é o caso, mas está aberta a possibilidade de que a matéria escura seja formada por milhões de pequenos e muito antigos buracos brancos.”

BURACOS BRANCOS

– Preço R$ 69 (120 págs.); R$ 29,90 (ebook)

– Autoria Carlo Rovelli

– Editora Objetiva

– Tradução Silvana Cobucci

SALVADOR NOGUEIRA / Folhapress

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