SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando era adolescente, o carioca Pedro Sampaio precisava improvisar com os aparelhos eletrônicos que tinha em casa para criar remixes de músicas feitas por outros artistas. Anos depois, ele se espanta ao constatar que recorreu àqueles mesmos equipamentos, numa versão aprimorada, para tocar “Não Deixe o Samba Morrer” em um palco renomado, ao lado de Alcione.
Mas a sambista fez uma expressão de dúvida quando ouviu pela primeira vez seu clássico sendo tocado numa MPC, espécie de bateria eletrônica, momento que rendeu um vídeo viral na internet. Ela estranhou mesmo a engenhoca, diz Sampaio numa suíte presidencial de um hotel cinco estrelas em São Paulo.
“O samba tem as raízes muito bem plugadas no solo. Eu fui questionado pelos músicos. [Disseram] ‘mas a gente está falando não deixa o sambar morrer, e você está matando o cavaquinho com um instrumento tecnológico'”, relembra o DJ de 25 anos. O encontro com Alcione aconteceu porque ele foi convidado para homenageá-la na última edição do Prêmio da Música Brasileira, no final de maio.
“Eu respondi para eles que, para o samba não morrer, ele precisa ser atualizado e caminhar com a tecnologia. Não estou falando jamais que um cara que toca cavaquinho vai ser substituído, mas é uma forma artística [de tocar].” Depois da premiação, Alcione disse à reportagem que “gostou demais” da versão do DJ, e que ele foi muito cortês.
Foi com essa sede pela modernice que Sampaio migrou das festas de formatura e de casamento, de onde não tirava muito mais que R$ 100, para se apresentar nos grandes palcos. Não demorou para ele perceber que, para atingir a massa, teria que ir além da música eletrônica. Decidiu, então, apostar no funk e no pop.
Ele ganhou as paradas ao lançar “Sentadão”, em 2019, clipe que hoje tem quase 300 milhões de visualizações no YouTube. O sucesso da música permitiu que Sampaio vislumbrasse a chance de virar um DJ com nome, rosto e voz conhecidos.
Deu certo. Em fevereiro, o DJ reuniu uma multidão formada por milhares de pessoas no Lollapalooza, um dos festivais mais importantes do país, e o maior em que ele já tocou. Seu show fez o evento virar uma espécie de baile funk, com pessoas rebolando suadas até o chão.
Sampaio se aproveitou da visibilidade do festival para responder a uma das perguntas que mais recebia. Ao som de “Toda a Forma de Amor”, canção de Lulu Santos, o DJ exibiu nos telões uma foto sua acompanhada da palavra “bissexual”.
“Senti vontade de fazer isso lá porque tenho responsabilidade com meu público e com meu discurso.”
Além do próprio Lulu Santos, que também é bi e de quem Sampaio virou amigo, o DJ diz que se sentiu inspirado pela trajetória do americano Lil Nas X, que também despontou em 2019, com o hit “Old Town Road”.
“O cara surgiu como rapper, e quando estava em primeiro no mundo, com uma música estourada, se assumiu gay. Isso me inspirou a querer fazer algo parecido”, diz Sampaio.
Ele afirma não ter sentido represálias vindo dos artistas de funk, gênero dominado por pessoas heterossexuais. “Me perguntam ‘e as marcas, e os contratantes dos shows?’, como se eu tivesse revelado que cometi um crime. É meio bizarro. O contratante está se preocupando se eu vou entregar um show maravilhoso as marcas querem saber se eu vou converter em vendas.”
Descobrir a própria sexualidade foi um processo que ocorreu mais ou menos junto com seu desabrochar como artista, afirma o carioca.
Desde o Lollapalooza, seus fãs tentam descobrir se ele tem um namorado. “Faz parte do jogo. Acredito que se um artista jovem contemporâneo quiser só fazer música e se entocar debaixo da terra, ele vai ficar fora de tudo. A música pop é isso”, diz ele.
Sampaio tem só um álbum, quatro anos de fama, e já emplacou sucessos em parceria com Luísa Sonza, Anitta, Ana Castela, Lexa e Pabllo Vittar. São faixas produzidas por ele, que além de DJ, quer ser visto como um produtor de respeito –ainda que não tenha sido contratado por outros artistas para desempenhar a função.
Olhar para esse elenco estrelado na própria discografia é um bálsamo para ele, que diz ter sofrido para conseguir alcançar artistas de grande porte quando era desconhecido.
O jeito foi começar a cantar suas próprias músicas –o problema é que ele nunca havia se arriscado no microfone. Sampaio viu então uma solução no Auto-Tune, programa de afinação vocal.
O tema é polêmico. Nas redes sociais, criticam o DJ, dizendo que ele abusa da ferramenta, distorcendo exageradamente sua voz.
Ele discorda da avaliação. “Eu tentei cantar [sem Auto-Tune], mas estava faltando alguma coisa. Sempre vi tutoriais e me inspirava artistas gringos que usam essa ferramenta brilhantemente. Eu lido com minha voz como um instrumento. Auto-Tune virou minha marca, uma identidade. Sinto uma liberdade muito grande porque amplia meu catálogo melódico”, diz.
Todo mundo usa, e alguns em excesso, afirma Claudia Assef, que é DJ e autora do livro “Todo DJ Já Sambou”. “Mas muitas vezes é uma questão de assinatura do artista, não falta de capacidade vocal. Dizer ‘não canta mesmo, está usando Auto-Tune’ é falta de conhecimento.”
Para ela, Sampaio é um dos rostos de uma nova seara de DJs que têm pinta de showman, como Alok e Dennis DJ, que vieram antes dele.
“Esse tipo de DJ está mais a fim de proporcionar entretenimento do que construir um set totalmente novo. Agora os DJs também fazem peripécias no palco. De repente isso atraia os jovens à música eletrônica. É uma porta de entrada”, afirma Assef.
Sampaio também se vê como um agente da mudança. “Antes, os DJs eram invisibilizados. Nas minhas primeiras festas, eu tocava num canto atrás de um vidro fosco. Hoje, se nenhum DJ tocar sua música, não vai funcionar”, diz.
Depois de se consolidar no mercado, virar um queridinho dos funkeiros e das divas pop, ganhar milhões de seguidores, Sampaio quer exportar sua música para fora do país.
Isso já começou a acontecer. Em 2021, a rapper Cardi B, uma das maiores do mundo, tocou um trecho de um remix feito por Sampaio na sua apresentação no Grammy, prêmio mais relevante da música.
O episódio foi celebrado nas redes sociais, mas o produtor Rick Bonadio, um dos renomados do Brasil, não gostou da repercussão. Na época, ele usou o Twitter para dizer que a reação foi exagerada, e que outros brasileiros já haviam chegado ao Grammy sem receber tanta bajulação. Anitta saiu em defesa de Sampaio, e discutiu com o produtor na internet.
“Sabe aquela coisa que você não quer mostrar que leva a sério? O funk é visto assim por uma parcela do público e das empresas. Tem gente que, quando se fala em funk, parece que está ouvindo sobre um crime. Mas não pode faltar funk na festa ou no Spotify”, diz Sampaio. Ele conta que se resolveu com Bonadio por telefone.
Seu próximo álbum vai ser mais maduro, diz o DJ, para acompanhar o equilíbrio que ele acredita ter alcançando na vida pessoal.
“Às vezes a galera fala ‘dá um tempo’, mas [fazer show] me deixa em contato com o povo. Eu sou esse artista do palco, do estúdio, da voz, da produção, da dança, do entretenimento e da entrevista. A gama é infinita.”
GUILHERME LUIS / Folhapress