Como será ‘Justiça 2’, que discute as injustiças do sistema prisional

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Sentado numa cadeira da entrada da delegacia do Distrito Federal, o jovem entregador Balthazar —vestido com uma camisa de gola polo verde, bermuda e chinelo de dedo— aguarda sua vez de ser fotografado de frente e de perfil antes de seguir para o cárcere, acusado de um crime que não cometeu.

O dono de supermercado, Jayme, fotografado com uma camisa polo preta, deixa sua família desamparada ao ser denunciado pela sobrinha que a violava sexualmente e ir parar na cadeia, um lugar que não costuma receber homens como ele.

É o mesmo destino de Geisa, vestida com uma blusa cavada, em estado de choque na delegacia. Ela é moradora da quebrada de Ceilândia que, durante uma briga, assassinou Renato, o traficante local.

O que era para ser, digamos, um simples furto de automóvel, se revela uma trama muito maior na vida de Milena, presa por homicídio.

Esses são os quatro protagonistas de “Justiça 2”, série de Manuela Dias com direção de Gustavo Fernandez, que estreia em outubro, no Globoplay, com 28 episódios.

Como na primeira temporada, exibida na TV Globo, cada episódio tem um personagem como protagonista e um antagonista, que vão se entrecruzando, assim como o passado e o presente. Desta vez, a série se passa entre 2016, quando acabou “Justiça”, e 2023. “A estrutura é basicamente a mesma”, diz Fernandez. “A sequência é de estrutura e de tese.”

Ele cita “True Detective” como exemplo de séries que mantêm apenas a estrutura e o conceito a cada temporada, mas trocam as histórias e as personagens. “É uma temporada bastante renovada pela força dramática das histórias.”

Quem abre esta leva de episódios é precisamente Balthazar, vivido pelo ator Juan Paiva, o Ravi de “Um Lugar ao Sol”. Desta vez, ele interpreta o entregador de um restaurante que acaba demitido e vai trabalhar como entregador de aplicativo.

“É um cara honesto, íntegro, que procura fugir dos erros, está sempre na batalha, na luta, mas sabe se defender”, define Paiva.

A vida de Balthazar começa a se complicar quando o restaurante deixa de ser comandado pelo senhor Galindo, vivido por Amir Haddad, e passa para as mãos de Nestor, um vereador corrupto, ambicioso e conservador interpretado por Marco Ricca. “O cara já olha para ele como criminosos simplesmente por ser negro”, diz o diretor.

Ao cobrar seus direitos depois da demissão, o jovem se desentende com Galindo. Após um assalto ao estabelecimento, é preso ao ser apontado por meio de um catálogo de suspeitos pelo dono do restaurante e passa sete anos na cadeia por um crime que não cometeu.

Murilo Benício, protagonista da segunda história, conta que teve dificuldade em encontrar o sentimento de Jayme, seu personagem. O dono de supermercado é o arrimo da família, que tem um padrão alto de vida e nutre desejo pela sobrinha, vivida por Alice Wegmann. “A gente não tem muita referência dele. Resolvi fazê-lo desprovido de qualquer sentimento. Decidi ir para o lado da frieza”, conta.

Ao denunciá-lo, a garota é rejeitada pelos familiares e se muda para o Rio de Janeiro, onde abre um quiosque com um namorado. Sete anos depois, após seu negócio falir, ela tem de voltar à sua cidade natal. É quando o tio deixa a Papuda, onde conheceu o submundo do crime.

Mãe solteira, manicure e moradora da quebrada, Geisa, vivida pela atriz Belize Pombal, e a filha que estuda para passar no Enem, têm a rotina alterada por um vizinho que deixa o som ligado 24 horas. Seria simples não fosse o rapaz, Renato, interpretado por Filipe Bragança, o traficante do bairro.

Mãe e filha tentam contornar a situação até que a garota entra para a famigerada lista dos inscritos que perderam a prova do Enem. Numa briga, Geisa o assassina e vai para cadeia. “Ela se atira numa tentativa de salvar a própria filha e a si mesma a qualquer custo”, diz a atriz.

Nascida em São Paulo, no bairro do Tucuruvi, na zona Norte, Belize é formada pela Escola de Arte Dramática da USP, tem quase vinte anos de profissão e é leitora do geógrafo Milton Santos. Vê seu pensamento reverberar nas laudas de Manuela Dias.

“Ele dizia que estamos nos tornando humanos. A série contribui para isso também, em relação ao nosso potencial humano. É um trabalho que nos nutre em relação a uma maior humanidade, nas belezas e nas agruras, para que a gente melhore individual e coletivamente.”

A quarta história, protagonizada por Nanda Costa, é a que mais permite discutir a Justiça em suas nuances. “Nas outras histórias fica mais claro o que é a Justiça. O nosso tem uma coisa mais velada”, afirma a atriz Paolla Oliveira, que interpreta Jordana, antagonista desta trama.

Nanda é Milena, uma garota que sonha em ser cantora e tem uma habilidade especial para abrir cofres. Filha de uma salgadeira, coloca a mãe em uma enrascada ao deixar de pagar a conta de luz às vésperas de uma entrega. Para ajudá-la, furta o carro de Jordana, a empresária musical interpretada por Oliveira.

Milena, porém, não contava que Jordana, naquele mesmo dia, havia descoberto um meio-irmão e, para não ter que dividir a herança deixada pelo pai, o assassinara e guardara o corpo no porta-malas do carro. Presa por homicídio, sete anos depois Milena volta para que a empresária musical a transforme numa estrela do piseiro, um estilo musical derivado do forró.

“Milena acaba usando o que viveu para realizar o sonho. Ela diz ‘eu gostaria de estar onde estou, mas não de ter feito as coisas que fiz para conquistar‘, afirma Nanda, que também aparecerá cantando na série.

Além do formato e do conceito, outros elementos conectam “Justiça” e “Justiça 2”, como a versão de “Hallelujah” por Rufus Wainwright e a personagem Kellen, interpretada por Leandra Leal.

Agora, seu prostíbulo, que ela chama de “agência de viagem”, deixou Recife em direção ao Distrito Federal. Ela aparece com um novo marido, Darlan, vivido por Fábio Lago, que tem como companheira a cachorrinha-influencer Bete.

O diretor Gustavo Fernandez afirma que a mudança de cenário, da capital de Pernambuco para Brasília e Ceilândia, traz poucas mudanças no que diz respeito à tese central da história, sobre a vida das pessoas após serem afetadas pelo sistema de justiça no que ele tem de real —e cruel, pode-se dizer.

“Muda o tom”, ele diz, ao prometer que, nesta temporada, ambientada entre as curvas e linhas de Niemeyer e Lúcio Costa, “tudo fica mais nebuloso”. Ao menos para quem conheceu a injustiça de perto —e de dentro do sistema.

DANILO THOMAZ / Folhapress

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