Como será ‘Overman’, filme do super-herói brasileiro e mundano criado por Laerte

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – No início de agosto, o governador do Estado do Rio de Janeiro recebeu na biblioteca do Palácio Guanabara, edifício neoclássico que funciona como sede do Poder Executivo e residência oficial do mandatário, o futuro responsável pela segurança pública.

Não se tratava do novo secretário de segurança. Tampouco de um novo responsável pelas polícias. “Não é a Barbie, não é o Oppy [Oppenheimer], é o Overman!”, brinca a produtora Iafa Britz, da Migdal Filmes, responsável por alguns dos maiores sucessos do cinema nacional, como “Minha Mãe é uma Peça” e “Nosso Lar”, que está por trás desse novo longa, ainda sem previsão de estreia.

O governador, interpretado por Otávio Muller, de terno e peruca, propõe ao personagem criado em 1998 pela cartunista Laerte —e que, por décadas, publica suas tirinhas no jornal Folha de S.Paulo— que seja o super-herói oficial do Rio de Janeiro.

“Você não vai mais ser conhecido como um herói de segunda que luta contra vilões de quinta”, argumenta o mandatário ao Overman, encarnado por Caco Ciocler, que não se seduz com a proposta. “Nós vamos lhe dar uma máscara nova”, oferece o governador.

“De Hollywood!”, acrescenta Alexandra, a assessora do governador, interpretada por Isabele Riccart, num “caco” —sem trocadilho—, proposto durante os ensaios pelo diretor Tomás Portella, diretor da série “Impuros”, do Star+. “Onde eu assino?”

A ideia de uma máscara nova surgiu durante as gravações, afirma Ciocler, que passa 12 horas por dia com uniforme roxo e a máscara de Overman, que lhe dão um físico do tipo Johnny Bravo. “Ele é um personagem que não tira a máscara, não é um herói de dupla-identidade”, afirma Ciocler.

A versão original lhe incomodou bastante, mas o ator buscou seguir com ela. Até constatar: “Não dá para fazer com essa máscara.” Estudioso da commedia dell’arte, estilo de teatro italiano, Ciocler conta que, tanto no caso de Overman quanto nessa escola, “a máscara determina o personagem”. Razão pela qual levou a questão ao diretor, que a incorporou ao roteiro. “A gente está sempre brincando.”

Ao contrário dos personagens clássicos do gênero, Overman não quer ser super-herói. Seus dilemas são outros. Nada de criptonitas e pais assassinados. É um herói brasileiro com dilemas existenciais a serem tratados no div㠗problemas financeiros, excessos etílicos e uma movimentada vida bissexual.

“Ele tem crises existenciais porque não tem mito de origem como os outros super-heróis”, afirma o diretor. “Ele não quer ser um herói como os outros. A moral dele é mais aberta.”

Portella foi convidado pela produtora para o projeto, que começou a ser aventado em 2017. “Eu meti a cara no arquivo da Folha e no livro [o quadrinho do Overman]”, diz o diretor. “É um personagem que precisou de adaptações para sair da tirinha e entrar em filme, sair de 1998 e entrar em 2023. O próprio tipo de humor sofreu mudança. A tirinha é uma piada muito rápida. Esse cara [no filme] precisa aprender alguma coisa.”

E, se os cariocas e fluminenses já acham, na vida real, que a segurança do Rio está abaixo de qualquer crítica, esperem até ver o filme nas telas.

Em uma das cenas, a entrada do Palácio Guanabara estava apinhado de figurantes vestidos como jornalistas para uma coletiva de imprensa reunindo o governador, sua assessora e Pâmela, a Mulher-Cachorro —indesejada parceira de Overman vivida por Karina Ramil— após uma confusão armada pelo super-herói.

O motivo: sua farra às sextas-feiras, noite de suas orgias e bebedeiras. Diante da crise, se justifica: “Vocês sabiam das sextas-feiras!” E uma pontada invade a cabeça, por conta da ressaca. “O que ele quer dizer é que está arrependido”, afirma o governador, liberal e conservador, fazendo as vezes de gestor de crise.

Não bastasse, uma pane elétrica interrompe a coletiva. O personagem tira o celular do bolso, certo de que o motivo é o corte de seus dados do celular. Mas a Mulher-Cachorro está ao seu lado para lembrá-lo da causa: Pane, a segunda maior inimiga do Overman.

Pane é uma sobrevivente (ou causadora, quem sabe?) do acidente da usina de Chernobyl que, após ser exilada por Overman numa comunidade amish, jurou-lhe vingança.

“A Mulher-Cachorro é sagaz. Ela vai e conserta o que ele faz. Eles se completam, mas não é isso o que ele quer”, diz Ramil, que vive a super-heroína concursada.

A antipatia nasce de cara, na cena da biblioteca, quando a Mulher-Cachorro aparece num salto, do outro lado da mesa da biblioteca para o Overman, que afirma ser autônomo, como o Batman, seu ídolo.

“O Batman é bilionário, não é seu caso”, afirma o governador. Pelas regras do governo, ele tem de aceitá-la como sua parceira. E, bem, lhe prometeram uma máscara nova —e a reedição de seus gibis.

Para não ferir a suscetibilidade masculina do Overman, o governador chega a propor que a Mulher-Cachorro se chame “Mulher-Cadele”, nos termos da linguagem neutra.

A produtora Iafa Britz afirma que o filme tem esse duplo desafio de se comunicar com um público de diferentes perfis, “de A a Z”. No entanto, seu sucesso não passa apenas pela parte criativa.

“Precisa do andamento da cota de tela”, afirma a produtora, que estava em Brasília, tratando do assunto na ocasião da entrevista.

Britz é sempre questionada, em razão dos vários sucessos da carreira, a respeito de quando haverá outra franquia brasileira. “Vai ter quando os astros estiverem alinhados com a cota de tela. Os filmes do passado aconteceram impulsionados pela cota de tela. Eles tiveram chance”, diz.

Além de buscar o público, um objetivo da produtora, bem como do diretor e do restante da equipe, é fazer um filme que agrade à Laerte, que acompanhou o desenvolvimento do argumento. “Ela gosta de ver os personagens ganhando vida.”

Fã da cartunista, a produtora consultou os dois filhos adolescentes a respeito da artista, quando lhe veio a ideia da adaptação. Perguntou se a conheciam. “Quem não conhece?”, responderam. Estava decidido: Overman iria para as telas.

DANILO THOMAZ / Folhapress

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