Como será sucessão do poder na Síria após queda de Bashar al-Assad

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – O grupo insurgente Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham ou HTS), que derrubou o governo de Bashar al-Assad na Síria, enfrentará disputas de poder com outras lideranças rebeldes durante a sucessão pelo poder.

A transição no governo da Síria está envolta em incertezas. O UOL ouviu analistas internacionais que apontam que não há um rito que defina a transição de governos no país. O mais provável é que Abu Mohammed al-Jolani, chefe do islamista HTS, assuma o poder, segundo Paulo Bittencourt, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP.

Mudança na conjuntura síria não tem precedentes. “Não há provisões nesse sentido, não havia esse costume na Síria dos Assad”, diz o pesquisador de Ciência Política. Isso porque o pai do ditador deposto, Hafez al-Assad, assumiu o poder na Síria após um golpe de Estado em 1971, quando era ministro da Defesa. Assad chegou ao poder com a morte do pai, que sofreu um ataque cardíaco em junho de 2000, aos 69 anos.

“Após a guerra civil, restou um país destroçado”, diz pesquisador da USP. Segundo Bittencourt, os grupos que disputam o poder na Síria também estão destroçados —após anos de luta para conseguir a deposição do governo. “É preciso observar como os grupos vão se comportar uns diante dos outros”, alerta.

HTS estabeleceu o “governo de salvação” em 2017 para administrar assuntos de seu interesse no noroeste da Síria. Hoje, segundo Bittencourt, o governo de salvação congrega outras forças rebeldes — que precisariam manifestar apoio ao HTS para que o grupo e seus integrantes se mantenham no governo sírio.

Relações com Exército sírio dependem de negociações com novo governo. O HTS, explica Buttencourt, tem uma força de cerca de 30 mil homens e precisa angariar mais apoio. “O Exército tinha uma lealdade ao regime do Assad, mas há ainda o Exército Livre da Síria, formado por dissidentes das Forças Armadas Sírias”, afirma.

“Abu Mohammed al-Jolani conquistou Damasco [capital síria] e vai tentar se manter no poder. Mas os demais grupos rebeldes também vão disputar apoio interno e externo — e há grupos internacionais fomentando rebeldes sírios com recursos e armas. Cada um vai querer se fortalecer como puder”, disse Paulo Bittencourt, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP.

Embora haja muita incerteza sobre a Síria nos próximos meses, algumas possibilidades se desenham, segundo analistas. O analista em Polícia Internacional e Mestre em Relações Internacionais pelas Universidades de Estrasburgo (França) e Groningen (Países Baixos), Uriã Fancelli, avalia que podem haver disputas entre grupos rebeldes, participação de um ex-ministro de Assad e ainda incerteza sobre o papel do Exército.

Representante do governo Assad se colocou à disposição para ajudar na transição de governo. Segundo Fancelli, o ex-primeiro ministro Mohammed Ghazi al-Jalali declarou que iria supervisionar as instituições durante o período de transição. “Ele poderia também ser a figura representativa da transição”, diz o especialista.

Especialista alerta para a possibilidade de uma fragmentação ainda maior do território sírio. Isso porque o HST atua no noroeste da Síria, com um modelo de governança próprio. “Eles querem replicar isso para o país inteiro”, diz Fancelli. Além disso, ele pontua a existência das Forças Democráticas Sírias e do Exército Nacional sírio (atualmente apoiado pela Turquia). “Esses são os principais grupos que podem disputar o poder”, diz.

“Ausência de reação das forças sírias, que apoiavam Assad, demonstra inércia”, diz Fancelli. Para o analista, há um enfraquecimento do Exército nesse momento. “É quase como se o Exército deixasse de existir. Grupos contra o governo oficial entram em disputa. O Exército estava completamente sucateado. O regime de Assad contava com o apoio do grupo extremista Hezbollah e da Rússia.”

Momento será de menos paz e menos estabilidade, diz Fancelli. “É preciso ter cuidado, principalmente, ao se falar em transição democrática. O HTS é um grupo dissidentes da Al-Qaeda. Há uma preocupação com o ressurgimento do Estado Islâmico.” Na avaliação de Fancelli, o HTS precisará dialogar com os demais grupos que atuam no país.

“População está no meio da disputa pelo poder.” Para Fancelli, a guerra civil que atinge o país desde 2011 não termina agora, com a queda de Assad. “Ela pode continuar e os civis são os mais prejudicados”, diz. “Grupos minoritários também serão prejudicados. O HTS tem um projeto para instituir um Estado fundamentalista islâmico e não vão aceitar a diversidade.”

GRUPO DISSIDENTE DA AL-QAEDA

O HTS é o maior grupo que luta na guerra civil da Síria. Ele tem origens na organização Al Qaeda e é considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela Turquia.

Guerra civil na Síria deu origem a diversos grupos. “O tecido social sírio se esgarçou, tornando-se um mosaico de diferentes grupos armados, com diferentes ligações internacionais”, afirma Bittencourt. Em 2011, durante a Primavera Árabe, o HTS era conhecido como Frente Al Nusra.

HTS precisa alcançar apoio de outros grupos que disputam território sírio. Bittencourt afirma que o grupo liderou uma ofensiva relâmpago até a capital do país, Damasco, e tende a se concentrar no poder. Mas, segundo ele, o desafio será obter o apoio das Forças Armadas. “Se o HTS não conseguir a lealdade dos demais grupos, pode enfrentar muita resistência, o que pode levar à manutenção da guerra civil.”

FABÍOLA PEREZ / Folhapress

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