SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não é de hoje que Silvio Guindane define seu espaço no cinema brasileiro. Sucesso recente em “Mussum – O Filmis”, vencedor do Kikito de melhor filme no Festival de Gramado de 2023, o ator de 41 anos recebeu a sua primeira estatueta aos 11 por seu papel em “Como Nascem os Anjos”.
Desde que viveu Japa, menino humilde das favelas cariocas, no filme de Murilo Salles, ele nunca abandonou o cinema, onde passou a estar, também, atrás das câmeras. Seguindo sua estreia na direção de um longa-metragem com a cinebiografia sobre o humorista Antônio Carlos Bernardes Gomes (1941-1994), Guindane participa de diversas produções e aguarda uma em especial: a segunda temporada da série documental “Sankofa”, prevista para novembro de 2025.
“O projeto é uma batalha pelo Brasil, de estado em estado, buscando e refletindo sobre pontos de resistência preta. A gente acabou indo para a realidade mesmo, em que nem sempre estávamos preparados”, diz. “O documental é uma caixinha de surpresas.”
Lançada em 2020, a primeira temporada de “Sankofa – A África que te Habita” acompanha o fotógrafo César Fraga e o historiador Maurício Barros de Castro. Os dois percorreram nove países africanos e discutiram a diáspora negra africana e as semelhanças entre a África e o Brasil.
Para os novos episódios, Guindane percorre 12 estados brasileiros ao lado da antropóloga e retratista Mariana Maiara, buscando a continuidade dessas conexões em território nacional.
“Nosso ponto de partida engloba lugares que têm a presença de nossas raízes africanas, nossos antepassados e da resistência decolonial, além de personagens como historiadores, pesquisadores e pessoas que buscam manter viva essa consciência”, afirma o artista.
Pensado como “road movie”, Guindane explica que o projeto se mantém aberto ao inesperado. A ideia de viajar junto de Maiara se tornou a essência da produção e as descobertas interferem não só na rota, mas na própria percepção dos realizadores. O diretor cita um ritual de Jurema Sagrada em Recife como uma das mais marcantes.
“Essa é uma tradicional celebração religiosa de matriz afroindígena, que reverencia ao Rei da Mata, Malunguinho, que foi um líder quilombola no início do século 19. Testemunhamos a fidelidade e a fé de vários fiéis que se juntaram na ocasião e isso muito me emocionou.”
Produzida pela FBL Criação e Produção, “Sanfoka” ainda terá dois meses de filmagem. A temporada anterior chegou ao Brasil por alguns canais da televisão aberta, como a TV Brasil e a Futura, e integrou o catálogo da Netflix.
Para ele, o streaming teve efeitos positivos no mercado, principalmente pela abertura de possibilidades de produção. Ele mesmo colheu frutos disso.
Produzida pela HBO, a série “Clube Spelunca” tem direção do artista e é estrelada por Antônio Pitanga e Neusa Borges. A comédia segue uma família negra que tenta restaurar um “Baile Black”. Guindane também dirige “Veronika”, “seriado de ação de tribunal brasileiro” do Globoplay que é estrelado por uma advogada criminalista negra, papel de Roberta Rodrigues. Ambas estreiam em 2025.
“Digo, por exemplo, que há dez anos, o “Clube Spelunca” seria feito com uma família branca, família de classe média da Zona Leste que tenta levantar um negócio. E a gente ia continuar consumindo ‘Todo Mundo Odeia o Chris’ e achando o máximo.”
“O streaming me permite mexer com quem não concorda comigo”, diz. “Eu quero que aquele cara conservador, racista, misógino, pague o meu bilhete, assine o meu streaming, assista, ria, se emocione. Se no final ele se perguntar, cara, será que eu sou racista?, eu ganhei o jogo.”
Guindane diz que, desde o início da carreira, se encantou pela necessidade de humildade para se chegar ao espectador. “Isso não tem a ver com subserviência. Por ser preto, gosto de ficar repetindo isso. Como ator, eu preciso ter a humildade de abdicar da minha própria máscara social e me entregar a uma personagem e ao espectador, fazendo com que ele ria todos os risos e chore todos os choros”, afirma.
O cineasta se prepara para dirigir uma adaptação do romance de Jeferson Tenório, “O Avesso da Pele”, vencedor do Jabuti em 2021.
“O Avesso bate em um lugar muito profundo que vem do racismo estrutural, e não daquele racismo escancarado. Vem de um lugar que o Jeferson constrói brilhantemente no livro e acredito que vamos replicar de forma muito interessante no filme, além de discutir máximas como Não sou racista, tenho até um amigo preto”, afirma Guindane.
DAVI GALANTIER / Folhapress