BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As empresas de Silvio Santos, morto aos 93 anos neste sábado (17), se firmaram em boa parte graças à propaganda feita pelo apresentador em seus programas no SBT, a vitrine principal de seu grupo, que conta com cerca de 30 companhias.
Essa estratégia foi liderada pelo Banco PanAmericano, carro-chefe do faturamento, até que, em outubro de 2010, a instituição enfrentou uma intervenção do Banco Central após a descoberta de um esquema de fraudes contábeis.
ROMBO NO PANAMERICANO
Investigado pela PF, o escândalo revelou a atuação de Silvio, que, desde 2008, buscava um sócio para o PanAmericano. As evidências partiram de trocas de email entre ex-executivos do banco e foram reveladas à época pela Folha de S.Paulo.
As mensagens mostraram a ligação entre o PanAmericano e Luiz Gushiken, ex-ministro de Lula. Gushiken teria sido um facilitador de negócios entre o banco e fundos de pensão. Também foi suspeito de ter intermediado a venda de 49% do PanAmericano para a Caixa Econômica Federal, no final de 2009, um ano antes de o rombo se tornar público.
Embora negasse qualquer interesse pelo banco ou atuação direta como empresário, Silvio chegou a conhecer a então presidente da Caixa Econômica Federal meses antes de fecharem parceria. Em 2009, a Caixa desembolsou R$ 739 milhões e, na negociação, ficou definido que só teria dois representantes no conselho de administração. Na prática, não participava do negócio, algo fora dos padrões.
No segundo semestre de 2010, o BC deflagrou uma série de questionamentos sobre a saúde financeira do banco. Inicialmente, o rombo apontado foi de R$ 2,5 bilhões. Silvio ficou enfurecido com o “erro” no balanço da instituição.
O FGC, Fundo Garantidor de Crédito, então negociou com o apresentador um empréstimo que seria o socorro ao grupo. Naquele momento, Silvio empenhou todas as suas empresas em garantia para que o rombo fosse coberto.
No entanto, uma nova auditoria feita na mesma época mostrou que o prejuízo era maior, de R$ 4,3 bilhões. Quando soube, Silvio estava em sua casa nos Estados Unidos.
Representantes do FGC alugaram um jatinho e viajaram até o apresentador para negociar uma saída. Segundo relatos da época, Silvio, indignado, disse a eles que deixassem o banco quebrar, porque seu patrimônio estava todo blindado no exterior. Sem acordo, foi negociada a venda do controle para o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual.
A operação passou pelo Palácio do Planalto. Silvio chegou a visitar o presidente Lula, então em seu segundo mandato, para garantir que o negócio seria mesmo fechado.
A informação foi confirmada pelo então presidente do grupo, Luiz Sandoval. A venda ocorreu em 2011, por R$ 270 milhões.
Publicamente, Silvio disse que esteve com Lula para cobrar R$ 13 milhões que o presidente tinha prometido para os sorteios do Teleton, um programa do SBT que arrecada recursos para uma instituição assistencialista.
Pouco após a quebra do PanAmericano, ele cogitou vender tudo o que possuía e se mudar para os Estados Unidos. À época, o Grupo Silvio Santos tinha acabado de ser avaliado em R$ 2,5 bilhões pelo FGC.
JEQUITI
O apresentador recebeu então uma oferta de R$ 1 bilhão pela Jequiti, braço de cosméticos do grupo, feita pela Coty. Percebendo a mina de ouro que tinha nas mãos, Silvio desistiu da venda e também de procurar um sócio para a companhia.
Silvio então destinou recursos para resolver os problemas de curto prazo da Jequiti. Foram mais de R$ 350 milhões em investimentos nos dois anos seguintes, o que representa mais do que o SBT teria recebido, boa parte para quitar financiamentos e aumentar a produção e a distribuição da rede.
Com a lábia de vendedor e como garoto-propaganda da própria marca, Silvio conseguiu recrutar, pela televisão, um número de consultoras que ultrapassaram 210 mil. Elas ainda hoje são motor das vendas, feitas porta a porta.
Dessa forma, a Jequiti, que em 2007 representava 0,5% das vendas do grupo, passou a responder por mais de 20%. Hoje, ela é a segunda empresa que mais fatura no grupo. Com receitas da ordem de R$ 450 milhões, só perde para o SBT, que registrou faturamento de R$ 1 bilhão em 2019, o último balanço divulgado.
Com exceção do SBT, Silvio Santos, no entanto, sempre demonstrou um certo desmerecimento por suas empresas. Em 2014, quando a Jequiti havia ultrapassou a Liderança Capitalização, ocupando o segundo lugar em faturamento no grupo, Silvio enviou uma carta escrita à mão a este repórter agradecendo “pela felicidade que teve lendo sobre a Jequiti”.
Quase uma década depois, no último mês de junho, o Grupo Silvio Santos negocia a venda integral das ações da Jequiti para a Cimed. O negócio deve sair por R$ 450 milhões, cifra próxima da arrecadação da marca nos últimos anos, mas está travado porque as herdeiras do apresentador querem um valor mais alto.
Segundo amigos, brincadeiras desse tipo eram frequentes, como forma de despistar os concorrentes sobre suas empresas. Silvio acreditava que dava azar.
Na campanha eleitoral de 2018, o apresentador apoiou a candidatura bem-sucedida de Jair Bolsonaro. O alinhamento fez com que o SBT, além da Record, recebessem mais verbas destinadas pela Presidência da República em anúncios.
Somente na segunda fase da campanha da reforma da Previdência, o secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, destinou R$ 6,5 milhões para Record e R$ 5,4 milhões para o SBT, de um total de R$ 36 milhões para todos os meios de comunicação. Juntas, as duas emissoras têm 30% de audiência, contra os 36% da líder, a Globo, que recebeu menos recursos da Secom.
JULIO WIZIACK / Folhapress