Concessão de cemitérios cria disputa entre funerárias de São Paulo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A concessão dos cemitérios públicos de São Paulo para a iniciativa privada desencadeou uma briga na Justiça entre empresas que prestam o serviço funerário na cidade.

Entidade que reúne mais de 150 empresas do ramo -entre elas as quatro concessionárias contratadas pela prefeitura para gerir todo o serviço por 25 anos–, a Acembra (Associação dos Cemitérios e Crematórios do Brasil) ingressou com ação na tentativa de cancelar o processo licitatório.

A associação pede que a lei que criou as regras para a concessão, sancionada em 2019, seja declarada inconstitucional.

Na ação, a Acembra afirma que o modelo de concessão trouxe prejuízos para o setor e afeta a livre concorrência entre as empresas. Diz também que a lei instituiu uma reserva de mercado em favor das quatro concessionárias: Consolare, Cortel, Velar e Grupo Maya.

O argumento da entidade é que a legislação proíbe a construção de novos cemitérios e crematórios na capital, assim como a oferta de serviços funerários, além de vetar a oferta de planos de assistência funerária por agentes independentes.

A reportagem entrou em contato com as assessorias de imprensa das quatro concessionárias.

Apenas o Grupo Maya se manifestou sobre a acusação de favorecimento às empresas. O grupo diz entender que é justo criar uma reserva de mercado em favor das concessionárias e afirma que a legislação promove uma competição mais justa no mercado de serviços funerários.

“A reserva de mercado é justificada em razão do interesse público de assegurar a prestação adequada de serviços funerários à população”, afirmou. “Ao limitar a entrada de novos concorrentes, a lei pode ajudar a evitar práticas anticoncorrenciais e garantir que todas as empresas operem em condições similares.”

Tais restrições ocorreram, de acordo com os defensores da Acembra, após gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) entregar, em março de 2023, a concessão dos 22 cemitérios públicos, além do crematório da Vila Alpina, para as quatro concessionárias.

A Procuradoria-Geral de Justiça do estado, que à época era chefiada por Mário Sarrubbo, também considerou que a lei é inconstitucional e entrou com outra ação judicial com pedidos semelhantes.

O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) também decidiu participar da ação e afirmou que a lei municipal “afrontou os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência ao restringir a liberdade de escolha dos consumidores”.

Nesse impasse, as quase 150 empresas que atuam no mercado fundaram, em dezembro do ano passado, a Associação Cemitérios Particulares do Município de São Paulo (ACPMSP), sem a participação das quatro concessionárias.

O objetivo da organização, conforme apurou a reportagem, é representar os associados que ficaram de fora da concessão perante o poder público, sobretudo à SP Regula (Reguladora de Serviços Públicos do município), e seguir questionando a concessão. Cabe à SP Regula supervisionar a prestação do serviço feita pelas concessionárias.

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) analisou o recurso da Acembra em 2021 e o rejeitou –à época, ainda antes da concorrência ser concretizada, a associação já pedia a mudança da lei.

O relator da ação no Órgão Especial do tribunal, desembargador Evaristo dos Santos, considerou que a concessão não restringia a livre iniciativa e a livre concorrência no setor. Santos entendeu que foi garantida a participação das empresas qualificadas na licitação e que a competência para definir as regras para conceder os cemitérios, que prestam serviço de interesse público, é da administração municipal.

O caso agora está no STF (Supremo Tribunal Federal), após a associação recorrer do acórdão do Órgão Especial. No ano retrasado, a ministra Rosa Weber negou o prosseguimento da ação na Corte, mas não julgou o mérito do caso. Um novo pedido da Acembra ainda está pendente de análise no Supremo.

A disputa diz respeito a um mercado que move bilhões de reais. A gestão Nunes dividiu a administração de todos os cemitérios e do crematório municipal em quatro blocos, com a estimativa de que os contratos cheguem a R$ 7,2 bilhões.

As concessionárias pagaram R$ 646 milhões em outorgas e devem repassar 4% de suas receitas aos cofres municipais.

O bloco 1, sob administração da Consolare, reúne os cemitérios da Consolação, Quarta Parada, Santana, Tremembé, Vila Formosa 1 e 2 e Vila Mariana. No 2, a Cortel é responsável pelo gerenciamento dos cemitérios do Araçá, Dom Bosco, Santo Amaro, São Paulo e Vila Nova Cachoeirinha.

O Grupo Maya responde pelos cemitérios do Campo Grande, Lageado, Lapa, Parelheiros e Saudade –bloco 3. No bloco 4, os cemitérios da Freguesia do Ó, Itaquera, Penha, São Luiz, São Pedro e Vila Alpina (crematório) são administrados pela concessionária Velar.

Em nota à Folha de S.Paulo, o Grupo Maya diz que as restrições nos serviços funerários devem ser vistas como uma medida regulatória para garantir os serviços com qualidade e segurança por empresas já especializadas. “A lei busca equilibrar os interesses comerciais dos cemitérios privados com a necessidade de proteger o bem-estar e os direitos dos consumidores e da sociedade como um todo”, afirmou.

Cortel e Velar disseram que não fazem parte do processo na Justiça, portanto, não irão se manifestar. A Cortel acrescentou que aguardará o trânsito em julgado “para avaliar qualquer manifestação ou eventuais providências no campo jurídico”.

A Consolare afirmou que não irá se posicionar.

A gestão Nunes afirmou, em nota, que a ação direta de inconstitucionalidade foi julgada improcedente pelo Tribunal de Justiça, considerando assim a lei constitucional.

Com a concessão, a promessa da gestão municipal era melhorar a qualidade dos serviços. Reclamações de má conservação dos cemitérios e cobranças abusivas, no entanto, continuaram um ano após a concessão.

Para as famílias que não têm direito à gratuidade nem ao funeral social -modalidade que garante cobranças menores a quem não pode pagar pelo velório no local-, os preços nos cemitérios públicos subiram em média 400% após a concessão.

CARLOS PETROCILO E TULIO KRUSE / Folhapress

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