BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Quando a Starlink, de Elon Musk, começou a oferecer internet de alta velocidade para regiões remotas do Brasil, as Forças Armadas compraram as antenas da empresa para abastecer quartéis e navios.
O conflito de Musk com o STF (Supremo Tribunal Federal) fez o ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, consultar os chefes das Forças Armadas para entender qual seria o impacto de uma eventual derrubada da Starlink no Brasil.
“O Almirante Olsen [comandante da Marinha] usou a seguinte frase para mim: ‘Quanto ao problema de defesa, não nos atinge’. Absolutamente tranquilo”, disse Mucio em entrevista à Folha de S.Paulo.
O ministro defende a postura adotada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, ao determinar a derrubada do X (antigo Twitter). Ele ainda comentou investigações sobre militares na tentativa de golpe e a ofensiva de setores do governo Lula (PT) para mudar a previdência dos militares.
PERGUNTA – O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, disse que está chegando ao fim o inquérito das fake news, e a PF já sinalizou concluir em breve investigações que envolvem militares, como a das joias e do golpe. Isso causa mais alegria ou apreensão?
JOSÉ MUCIO MONTEIRO – Causa alegria porque é péssimo socializar a suspeição. Quando há uma suspeita sobre as Forças Armadas, incomoda; mas, quando há uma suspeita sobre uma determinada pessoa, se infringiu a lei, tem que pagar. Nós queremos que isso se encerre de uma vez para acabar com esse clima de suspeição.
P. – São 37 oficiais que assinaram a carta golpista, dezenas de militares discutindo golpe no celular do Cid, o ex-comandante da Marinha. Não tem algo estrutural nisso?
JM – Para os militares, interessa que tudo seja esclarecido. Quantos forem, precisa identificar os verdadeiros culpados. Tem que se graduar as penas, graduar o que vai se fazer. Mas nós não vamos impedir nem esconder nem querer que bote tudo debaixo do tapete.
P. – O golpismo está silenciado ou foi expurgado da caserna?
JM – Nós precisamos verdadeiramente separar o joio do trigo. Quando alguns depoimentos foram abertos em 2024, as coisas ficaram claras, porque os nomes apareceram. O Ministério Público começou a trabalhar com pessoas físicas e não com as Forças, pessoas jurídicas. Não foram as Forças que planejaram aquilo tudo que aconteceu.
Eu tenho certeza que esse pensamento é majoritário: nós debitamos às Forças Armadas o golpe de 1964, mas precisamos creditar às Forças Armadas não ter havido golpe em 2024.
P. – Mas a quantidade de coronéis e generais investigados é grande. Isso não o preocupa?
JM – É porque eles faziam parte da mão de obra do presidente que saiu. O entorno do presidente tinha muito militar. Militar da reserva.
Da ativa também.
E precisam ser investigados. Precisa ver se teve um comprometimento, se ele estava cumprindo apenas uma determinação ou se ele estava comprometido com a determinação.
P. – Como os enfrentam os cortes no Orçamento?
JM – Nós cortamos muito. Todo mundo sabe, ninguém está se escondendo, não vou dizer que estou cheio de dinheiro. Tiramos helicópteros, tiramos outras coisas. Eu acho que [a área mais afetada] foi o programa de submarinos. Os projetos estratégicos, coisas que vinham de longe. Procuramos fazer com o nosso efetivo aqui.
P. – Até que ponto o conflito do Elon Musk com o STF pode afetar as Forças Armadas?
JM – Eu liguei para os três comandantes, como faço diariamente, e o tema do dia foi a Starlink. O general Tomás me disse que o militar designado para trabalhar na Amazônia comprava aquele equipamento por mil e poucos reais para poder falar com a família, com a esposa, com os filhos.
Então eram pessoas físicas que tinham aquilo. O Exército tinha pouquíssimo. Era mais para a fronteira. A Marinha chegou a fazer um contrato, usava-se muito quando nós íamos fazer aquelas operações de ajuda de saúde das populações ribeirinhas. Para a defesa, [o impacto de eventual queda da Starlink] zero.
O problema parece mais ameno porque o Elon Musk se adequou às nossas leis [refere-se ao fato de a Starlink ter acatado a ordem de bloqueio do X no Brasil]. Na realidade, acho que a Justiça estava correta. Nós tínhamos que proteger a nossa integridade.
P. – Eu acho que o Alexandre de Moraes teve coragem e comprou uma briga importante para o Brasil. Não pode desrespeitar as nossas normas. Tinha que se adequar às normas que os outros têm que obedecer. Por que ele não?
JM – Ou mudam as leis ou muda ele.
Comando Militar da Amazônia, do Exército, comprou antenas da Starlink em licitação que só a empresa conseguia vencer.
P. – Aquilo é mais para comunicação. É um equipamento simples para as pessoas se comunicarem, falar com a família. Não se sentirem isoladas.
JM – Então as Forças não dependem da internet da Starlink para atuar nas regiões mais isoladas?
Não tem dependência. O Almirante Olsen [comandante da Marinha] usou a seguinte frase para mim: “Quanto ao problema de defesa, não nos atinge”. Absolutamente tranquilo.
P. – As mudanças na previdências dos militares estão no horizonte?
JM – A questão da previdência tem que ser uma coisa consensual. Não são os militares responsáveis pela dificuldade financeira do país. Militar não tem hora extra, não tem adicional noturno, não tem insalubridade. Tem uma série de coisas que eles têm que os outros países reconhecem e que a gente também reconhece.
Será que só os militares dão despesa ao país ou tem outros lugares que têm dinheiro e que podem ser cortados? Como aqui [nas Forças] não tem política, só quem fala nisso sou eu.
P. – Então o sr. concorda com mudanças, contanto que seja um escopo maior?
JM – Não tenha dúvida nenhuma. O que a gente não pode aceitar é que haja um alvo preestabelecido. As Forças estão dispostas a conversar desde que diga assim: “Mexeram nos outros Poderes, onde a máquina não foi enxugada também?”
RAIO-X
José Mucio Monteiro, 75
Ministro da Defesa. Natural do Recife, é engenheiro civil. Começou na vida pública em 1982 como prefeito de Rio Formoso (PE). Foi deputado federal (1991-2011), ministro de Relações Institucionais (2007-2009) e ministro do Tribunal de Contas da União (2009-2020).
CÉZAR FEITOZA E CATIA SEABRA / Folhapress