BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O primeiro semestre deste ano, sob o novo governo Lula (PT), foi o segundo com mais registros de conflitos no campo desde 2014, mostra relatório parcial da Comissão Pastoral da Terra divulgado nesta terça-feira (10). Foram 973 registros, atrás dos 1.007 de 2020, e superior aos 900 de 2022.
Desses casos, o principal agente de violência foram os fazendeiros (19,75%), seguidos do governo federal (19,33%), empresários (16,95%), governo estadual (13,31%) e grileiros (8,54%).
“Mesmo com a criação de ministérios como o dos Povos Indígenas, Igualdade Racial, o restabelecimento do Ministério do Desenvolvimento Agrário e outras medidas do governo Lula, a força política do agronegócio impede uma maior efetividade de políticas públicas para as populações do campo”, diz o relatório.
O documento destaca que o tipo mais comum de violência contra pessoas no campo foi o de contaminação por agrotóxico (327), bem à frente da segunda categoria, a contaminação por minérios (55).
Já as maiores vítimas foram os povos indígenas, que concentram 38,2% dos casos, seguidos da população sem terra, com 19,2%, dos posseiros, 14,1%, e dos quilombolas, 12,2%.
A pastoral lembra que, em 2023, foram registrados 30 estupros de garimpeiros ilegais contra adolescentes yanomami em Roraima e que o registro total de violência contra a mulher subiu de 94 em 2022 para 107.
Desde o início do ano, o governo federal promove uma operação conjunta da Polícia Federal, Ibama, Força Nacional, Funai, Secretaria Especial de Saúde Indígena e Forças Armadas pela desintrusão do território Yanomami, que viu, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), a explosão da incidência de garimpo e invasão dentro da terra indígena.
“Os levantamentos são realizados com base em dois tipos de informações: as fontes coletadas pelas/os agentes da CPT [Comissão Pastoral da Terra] em todo o Brasil; e também as fontes coletadas por meio da clipagem junto à imprensa em geral, bem como em divulgações de órgãos públicos, movimentos sociais e organizações parceiras da CPT ao longo do ano”, explica a entidade, sobre sua metodologia.
O documento também mostra que o primeiro semestre de 2023 registrou recorde tanto no número de casos de trabalho escravo quanto na quantidade de pessoas resgatadas de tal condição.
O aumento nos resgates já vinha sendo registrado por outras instituições, inclusive por dados do Ministério do Trabalho.
Em junho, o número de trabalhadores resgatados em situação semelhante à escravidão em 2023 já era o maior para um primeiro semestre em 12 anos, segundo dados do governo.
As denúncias de trabalho análogo ao de escravo podem ser feitas pelo Disque 100 ou encaminhadas à Auditoria Fiscal do Trabalho por meio do Sistema Ipê, pelo link ipe.sit.trabalho.gov.br.
O sistema de denúncia, inclusive, também registrou aumento. Ele recebeu 1.228 registros de casos de violações aos direitos humanos caracterizadas como trabalho análogo ao de escravo de janeiro a maio deste ano.
O número representa aumento de 54% em relação ao mesmo período de 2022, que somou 796 registros. As informações estão no painel de dados do Disque 100, disponível para consulta pública.
Também chamada de Disque Direitos Humanos, a plataforma é um dos canais à disposição para denúncias de desrespeito a direitos da população, incluindo casos de trabalho análogo à escravidão.
Neste ano, o serviço completa 20 anos sob gerenciamento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
O Disque 100 recebe ligações gratuitas e anônimas de qualquer local no Brasil, com funcionamento 24 horas. Além do telefone, meio pelo qual 90% das denúncias são feitas (chamadas de 7 minutos de duração em média), o canal acolhe demandas pelo WhatsApp (61) 99611-0100, webchat do portal, email, aplicativo, e de forma presencial, nas ouvidorias locais.
Segundo os dados do relatório do Pastoral da Terra, no primeiro semestre, foram registrados 1.408 resgates de pessoas em situação de trabalho escravo, um recorde para os últimos dez anos, período compreendido pelo levantamento.
O número é quase 70% superior do que os 978 dos primeiros seis meses de 2022 e que, à época, também havia sido uma quantidade inédita.
Em quantidade de casos, o primeiro semestre deste ano também marcou um recorde para a série histórica: 102, contra 85 do ano anterior, que era o maior valor registrado até então.
A atividade com mais pessoas resgatadas foi o cultivo de cana-de-açúcar (532), seguido das lavouras permanentes (331).
JOÃO GABRIEL / Folhapress