SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com as pernas cruzadas e as mãos entrelaçadas, um pouco arqueado e com o olhar insistindo em repousar no chão, Josh OConnor não tem a pose que se espera de um desses galãs que rompem as fronteiras da dramaturgia britânica para fazer sucesso do outro lado do Atlântico.
Timidez é a primeira palavra que vem à mente ao sentar para conversar com o astro de “The Crown”, que veste roupas largas e deixa as frases saírem de sua boca com espontaneidade, embora num volume diminuto. Com corpo retraído e voz para dentro, ele não parece em nada o príncipe Charles desesperado por atenção da superprodução da Netflix.
Tampouco há no ator o jeito expansivo de Patrick Zweig, jogador de tênis que ele interpreta em “Rivais”, ou a frustração reprimida de Arthur, seu personagem em “La Chimera”. Numa curiosa dobradinha, os dois filmes chegam nesta semana aos cinemas brasileiros, ambos dirigidos por cineastas italianos Luca Guadagnino e Alice Rohrwacher, respectivamente.
“Eu tenho zero interesse em determinar um caminho para seguir. O que me move enquanto ator são os diretores e artistas com quem tenho a possibilidade de trabalhar, mesmo que eu tenha que aprender italiano para isso”, disse OConnor a este repórter no último Festival de Cannes, onde “La Chimera” foi exibido.
O idioma faz parte da polifonia melancólica do filme, em que ele interpreta um arqueólogo que retorna à cidadezinha italiana onde morava depois de um tempo na prisão. “O inglês”, como é conhecido, faz parte dos “tombaroli”, ladrões de túmulos etruscos que os violam em busca de riquezas de eras passadas.
Num jogo de realismo fantástico típico do cinema de Rohrwacher, Arthur tem uma espécie de sexto sentido que o ajuda a identificar onde os tesouros estão enterrados. Embora esse desrespeito à história o incomode, é seu ganha-pão. Também incomoda Itália, personagem vivida pela brasileira Carol Duarte e de quem vira amigo, numa relação que transbordou para fora das telas.
“Ele é um ator muito sensível, o jogo de cena com ele é ótimo, e nós acabamos construindo os personagens juntos”, disse Duarte sobre “Josholino”, como o apelidou carinhosamente, no mesmo festival. “Nós nos tornamos bons amigos, então havia leveza no trabalho. Foi uma dinâmica especial a que construímos.”
Um ano depois, mesmo com os holofotes e a expectativa que embalam “Rivais”, ele aparece na mesma pose contida em conversa virtual com jornalistas, ao lado de Guadagnino e dos colegas de elenco, Mike Faist, outro que desponta desde o “Amor, Sublime Amor” de Steven Spielberg, e Zendaya, estrela badalada nas telas do cinema, da TV e das redes sociais.
OConnor e Faist vivem parceiros no mundo do tênis profissional, e logo passam a disputar a atenção da estrela em ascensão do esporte, papel de Zendaya. Os personagens acabam formando um triângulo amoroso, que dá vazão ao erotismo enraizado no cinema de Guadagnino.
Novamente, o cineasta brinca com os corpos de seus musos. Ele enquadra OConnor num balcão, com as nádegas arrebitadas e agarradas por um shortinho, na altura da câmera. E depois acompanha as manobras que o ator faz com uma microtoalha quando entra pelado numa sauna, ao mesmo tempo intimidando e seduzindo Faist. Em outro momento, os flagra num beijo cheio de desejo.
“Josh e eu usávamos todo o tempo que tínhamos para treinar nossas falas enquanto passeávamos por Boston. Nós íamos e voltávamos da cidade juntos, então passamos muito tempo um com o outro”, diz Faist em alusão à cidade onde as gravações aconteceram, reforçando a intimidade que se estabeleceu entre eles, em especial depois das seis semanas de prática de tênis que tiveram.
Aos 33 anos e com um Emmy e um Globo de Ouro por “The Crown” no currículo, OConnor se cerca de projetos díspares. Do intimista e autoral “La Chimera” a “Rivais”, uma das principais apostas da Warner Bros. no ano, o inglês nascido em Southampton conta ter como prioridade o cinema, não importa que gênero, país ou estúdio com o qual trabalho.
“The Crown foi uma das melhores experiências da minha vida, mas foi longa. A televisão é como uma maratona, e eu gosto de me entregar por completo ao personagem e à história, sem ficar trocando de colaboradores. Fazer isso na TV é difícil. O cinema combina mais com a minha sensibilidade”, diz OConnor, ele próprio corredor de maratonas.
Antes de estourar com as intrigas palacianas, fez figuração no live-action “Cinderela” e personagens de dramas independentes britânicos, como “The Riot Club”, “Emma.” e “O Reino de Deus”, no qual já havia brincado com a alcunha de galã, deitando completamente nu sobre o feno da fazenda de seu personagem, após uma noite de paixão com um funcionário.
A fala mansa de OConnor é reflexo da personalidade pacata do inglês. Vestindo pulôveres de lã coloridos e aconchegantes na entrevista em Cannes, na divulgação de “Rivais” ou num ensaio fotográfico para o The New York Times, ele se considera uma alma velha num corpo jovem.
“Eu não gosto de festas, de sair em grupo ou de fingir que sou deslocado. E eu decidi que eu não preciso gostar disso”, disse ele ao The Guardian há quatro anos. Em sua página no Instagram, dedicada a paisagens solitárias, seu rosto não aparece nem na foto de perfil.
É um instinto que se manifesta nos hobbies. Da avó, herdou o gosto pela cerâmica, e de ninguém em específico, o hábito de escrever cartas. “Eu escrevo para todos os meus diretores contemporâneos favoritos, é algo que eu faço quando vejo um filme que gosto. A maioria provavelmente nunca nem recebeu as cartas.”
Um dos filmes que viu foi “A Vida Invisível”, estrelado pela colega de elenco Carol Duarte e dirigido por Karim Aïnouz, cearense que estará em Cannes neste ano com “Motel Destino”, thriller erótico nacional. Em paralelo, o cineasta se prepara para filmar “Rosebushpruning”, seu segundo longa estrangeiro, com OConnor, Kristen Stewart e Elle Fanning no elenco.
No futuro, OConnor tem ainda dois projetos que já causam comoção na internet. Em “The History of Sound”, vai se envolver com outro “it boy”, Paul Mescal, num drama ambientado na Primeira Guerra Mundial. Em “Separate Rooms”, volta a atuar sob a batuta de Guadagnino, em mais um romance gay para seu currículo.
Não que ele busque temas específicos ao aceitar papéis como eles serão traduzidos no produto final pouco importa, diz. “Atuar, para mim, é como fazer cerâmica. É mais sobre o processo do que o resultado.”
LEONARDO SANCHEZ / Folhapress